A algum poeta

E como eu palmilhasse vagamente

uma rua desértica

Sem árvores nem cachorros vadios

Apenas a aspereza do asfalto

que exalava o calor excruciante

do infernal sol do meio dia

Uma lata inútil de refrigerante

abandonada em algum momento

entre o muito antes e o agora

Desafiou o ébrio caminho de meus pés,

em um embate nada menos glorioso

que o duelo entre Davi e Golias,

o objeto metálico, com a tinta

já muito desgastada, o corpo

amassado, alumínio inerte retorcido,

Voou heroicamente por alguns metros

posou graciosamente no asfalto

quente, encarando-me como

uma barata prestes a ser comungada

Concentrou todo sua vontade alumínica

e, rezando aos céus,

brilhou os raios solares

diretamente no fundo de minhas

retinas tão pouco fatigadas.

Em um segundo de delírio cego,

como se a luz queimasse minha córnea,

rasgasse o cristalino azul,

atravessasse toda a orbita ocular

e explodisse rutilicamente,

evaporando meu tálamo, e uma dor lancinante explodisse minha consciência.

O fim do mundo me engoliu

e eu flutuava entre o nada e o talvez.

Vagando pela escuridão infinita

uma voz tão poderosa quanto a rosa

Ordenou-me ribombante:

-contemple o infinito.

E eu, como um bom filho

Prodigo em todas as minhas crenças

que via a blindagem de

meu espirito decrepito

ruir com o canto das trombetas

e só de mentar a realidade

ruindo sentia-me  como

Europa, voltando nas asas intrépidas

de Dédalo, obedeci.

Acima de mim

o céu estrelado

polvilhado assim

o infinito gelado

tal qual alecrim

no campo galgado

pelo carro alado

do deus carmesim

Dentro de mim

o desejo ardente

Moral decadente

fúria transcendente

ossos descrentes

e dentes beligerantes

vociferando o grito

primal dos desesperados

ávidos pelo sacro sague

e o bento pão

em uma dança entrópica

Celeste, Caótica

confusa como é o sânscrito

via-me em uma encruzilhada escatológica

devaneando sobre a existência...

Agora eu era um homem na caverna de Platão

idealizando a fulcral saída,

procurando palavras teogônicas:

e então asas translúcidas puras

tão puras...

tão puras

que não emitiam brilho maior que o tolerável

Rugiam, como a Esfinge:

"Quando penso, cogito

e as mãos, ao alto, ergo

e, a vós, peço que sejais o insumo"

e esperanço

que se funda com minhas vísceras

e queime minha alma imoral,

e com o sopro do Vesúvio

Purifica

todo o meu ser

Desenganado.