As Águas do mundo
Ela e o Mar.
O mar, o mais inteligível das existências não humanas,
A mulher, o mais inteligível dos seres vivos,
Ela olha o mar, seu limite o horizonte.
Encontro entre seus mistérios.
Ela, o Mar e o Cão Negro
Seis da manhã, Porque um cão é tão livre?
A mulher vai entrar no mar.
A exigüidade deste corpo a mantém quente e livre,
Livre como o cão negro.
Ela, o Mar e a coragem
Mulher sozinha, se conhecendo,
No mar grande e salgado
Não se conhecer exige coragem.
Ela, o Mar e a Alegria
O frio como ritual arrepia.
Acorda-a de seus mais adormecidos sonhos seculares,
Abre caminho na gelidez como o amor,
Que a oposição pode ser um pedido.
Ela, a coragem e a onda.
Caminha lentamente,
deixa-se cobrir pela primeira onda,
Fica cega por instantes,
Fica fertilizada.
Ela, a fertilidade e o sal.
Abaixa a cabeça dentro do brilho do mar,
Deixa a água salgada escorrer pelos cabelos,
Brinca com as mãos na água salgada.
Bebe goles bem grandes, bons.
Ela, o Mar e o Homem
Ela é um anteparo compacto,
Olhos vermelhos e garganta ardida pelo sal,
O mar por dentro como o líquido espesso de um homem.
Ela, o mar e o amante,
Mergulha novamente e bebe mais água,
A amante que sabe que terá tudo de novo.
Ela sabe o que quer.
A mulher não recebe transmissões e nem comunicações.
Ela, e o retorno
Dentro da água caminha de volta para a praia,
O mar lhe impõe resistência puxando-a com força para trás,
A proa da mulher avança, um pouco mais dura e áspera.
Ela, o perigo e a vida.
Agora pisa na areia,
seus cabelos escorridos são de naufrago,
está brilhando de água, sal e sol.
Mesmo que o esqueça em um minuto,
sabe que fez um perigo.
Parafraseando Clarice Lispector