São Paulo, pão e sangue

Viva São Paulo! Posso ver todas as maravilhas do mundo, mas ao ver suas luzes, seu cinza, o arco-íris da humanidade brilha em meus olhos. Parabéns, minha Cidade!

São Paulo, pão e sangue

Maria Quitéria

Aqui tem muitos meninos largados, pedintes e vadias pelas ruas;

tem nordestinos, japoneses, negros, almas perdidas e nuas,

Bolsa de valores, bancos, museus, pobreza e um tráfego louco,

dinheiro a rodo, classe, balada e mendigo de grito rouco;

aqui se tem um Brás de camelôs e um banho de civilidade,

há quatrocentões, plebeus, pobres, nobres e riqueza cultural,

- é grandiosa e de berço o seio da minha intensa cidade -

caminhante boêmia; de garoa, sobretudo, vagabundo e marginal.

Nada deve a Nova York em glamour ou em suas ruas clandestinas,

tem brilho e diversidade no impacto do cinza do céu e do asfalto

e na cadência de um povo aberto que recebe como concubinas;

é um colo quente que acolhe e alimenta a quem aqui se achega,

- inteira violenta, como um bicho em fúria tomado de assalto -

com seu poder viciante, inebriante, que quem aqui vive, não nega.

Eu não moro em São Paulo

Santiago Nazarian

Um caminhão de leite capotou na marginal Pinheiros. O tráfego foi interrompido. O trabalho de resgate foi lento. E um longo congestionamento se espalhou pela pista expressa, pela pista local e pelas cercanias...

Mas eu não passo por essa via. Não tenho carro nem uso o transporte público. Quando saio de casa, é com meus próprios pés. Eu não me preocupo com o trânsito nem com a greve do metrô. Trabalho em casa. Moro sozinho. Todos os meus principais destinos estão restritos a esse bairro, essas ruas, dando a volta no quarteirão...

Acordo tarde e vou dormir de manhã bem cedo. Não faço fila na hora do almoço, nem volto pra casa na hora do jantar. Eu não tenho medo da chuva ou do alagamento; moro no décimo andar, acima, alienado, alheio.

Essa cidade que você reclama não é minha. Esse drama que você vive não me foi escrito. Espio tudo de longe, de leve, não me arrisco. Se não enfrento os perigos da cidade, como poderia conhecer suas delícias?

Nós frequentamos a mesma livraria, mas chego quando está vazia. Fazemos compra no mesmo supermercado, mas eu vou tarde, de noite, de madrugada. Nós temos os mesmos gostos e procuramos um pelo outro, mas a gente nunca se cruza na mesma hora, nas mesmas rodas, nessa sua cidade, eu não moro aqui.

Ainda assim, eu conheço você. Imagino seu rosto, ouço sua voz em meus sonhos. Estamos sempre à beira um do outro e do abismo. Basta um acaso, um esbarro, que a gente se encontra ao mesmo tempo, no mesmo destino.

Preciso de um acidente, de uma armadilha. Prender você aonde eu possa chegar. Minhas palavras como mensagem na garrafa, jogada de uma ilha. Como um bumerangue, uma isca, um cão farejador para te resgatar.

Você mora em outra cidade. Você vive outra vida. Você vive em outros tempos, paralelos. Quero que venha morar comigo.

Eu não moro na sua São Paulo. Eu moro aqui, eu vivo sozinho. Vivo quase à beira, à margem, em outra cidade. Quero que venha morar comigo.

Um caminhão de leite capotou na marginal Pinheiros. Não houve feridos.

(Santiago Nazarian, escritor, autor, entre outros de " A Morte sem Nome", " Olívio" e " Mastigando Humanos" da Editora Nova Fronteira)

Pela Nova Ortografia

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