ÍCARO CÓSMICO

ÍCARO CÓSMICO

Para as minhas titias

Wilma de Almeida Ravanini

e

Maria Lúcia de Almeida Marques,

as quais, noites dentro de noites,

dialogam com o luzeiro do firmamento.

O céu nos está aberto,

exigente vigilante!

Homo sapiens solitário

na mais negra solidão,

devaneios do passeante levam-no

a “la comunità che viene”.

_ O céu nos está aberto!

Proclama a filósofa profetisa.

“A humanidade não permanecerá para sempre presa à terra” *

_ Conhece-te a ti mesmo,

exigente vigilante!

E ele só, plantado ao solo-prisão,

em eterna vigília,

murmura em sigilo maravilhas sem conta

com as estrelas cintilantes.

E ele contempla as Vergília,

as “primaveris”,

as sete estrelas da primavera,

Maia, Electra, Tageta, Astérope, Mérope, Alcíone e Celeno,

brilhantes favoráveis à navegação.

E então ele avista,

do dorso negro do mar,

a amplidão da arquitetura celeste,

a Via Láctea,

leite encantado e entornado pelo bebê Hércules.

Volúpia das alturas,

engenhosidade da imaginação em construção

da libertação,

da desmaterialização.

Como fera, como leão alado,

personifica não o Ícaro imprudente.

Vê!

Um Ícaro vidente balança no ar e, sem senão,

ele ouve Ovídio:

“Terras licet”, inquit, “ et undas”

Obstruat, at caelum certe patet. Ibimus illac;

Omnia possideat, non possidet aera Minos”.**

Eleva-se, então, aos céus,

não em asas artificiais,

são asas serenas e naturais,

ele alça vôo,

cruza os hemisférios mais altos que o céu

e alcança o berço dos corpos celestes,

que lhe narra as maravilhas, os mistérios do assombroso firmamento.

Entre trevas e luzes, sussurra-lhe a lua grega:

“a lua já se pôs, as Plêiades também;

é meia-noite;

a hora passa, e estou deitada, sozinha.” ***

Poética da celebração sideral,

o flâneur cósmico flanando

em órbitas circulares,

em círculos triangulares,

em trajetórias

e sobreposições de rotas,

ergue o véu e vê Órion,

o grande caçador das estrelas que coroam o céu;

mais distante, mãe e filho,

Calisto e Arcas,

feitiço de Juno,

ódio de morte,

_ Ambos ao céu!

Lares, amares... deuses dos mares,

portentosos Grande e Pequeno carros-luzes-velozes,

Ursa maior e Ursa menor,

constelações amantes das montanhas nevadas do Pólo Norte...

Ele ouve vozes,

ele ouve maravilhas narradas.

E ele ouve a voz sagrada da terra:

_ Limites da jornada,

flâneur cósmico,

cuida da “hýbris”!

Nave, navega navegante, vê “novitas”, órbitas,

exigente vigilante,

Lucignolo no País dos Brinquedos,

rotas, desvios, incógnitas,

junto aos astros, luzes e variações de cores,

agora ele é estrela a conduzir os pastores da noite.

..........

NOTAS

*Apud in ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; Rio de Janeiro, 1987.

..................................................................

** _ Embora Minos nos feche a terra e o mar

Ao menos o céu está aberto; iremos por lá.

Senhor de todas as coisas, ele não tem domínio sobre o ar.” (OVÍDIO. Metamorfoses. Tradução Bocage. São Paulo: Hedra, 2000)

...............................................................................

*** Poética de Safo de Lesbos. Tradução Joaquim Brasil Fontes in Eros, tecelão de mitos: a poesia de Safo de Lesbos. São Paulo: Estação Liberdade, 1991.

.....................................................................

PROF. DR. SÍLVIO MEDEIROS

Campinas, é inverno de 2011.