A Paz
Hoje, quem diria, eu a vi outra vez
Depois de tanto, tanto tempo a reencontrei.
Metade desta vida pus-me a desprezà-la.
E a outra, louco, a procurei.
Era eu ainda menino quando ela apareceu,
E me embalou em sua canção
E me deitou ao peito seu.
Era tempo de doçura
Tempo de inocência
Cuja rara e santa essência
não perdura,
E volta às mãos de Deus.
Tantos anos fazia que eu não a via ou a sentia
que eu a mal reconheci.
Veio ela doce e sutil
Mas como quem teme a luz do dia
O corpo e a alma, eu encolhi.
Mas ainda assim ela veio
Veio como um simples passarinho
que sedento, pelo caminho,
encontra um poço d'água.
E pousando sobre mim,
Beberica um pouco e mata, enfim,
A sua sede e a minha mágoa.
Entrou com ardente e suave fúria
Pelas portas do meu ser
E fez de novo renascer
A alegria aprisionada.
Fez-me dormir o sono dos anjos
Com o canto mais perfeito
a sonhar que em meu peito
Já não doía nada.
Com uma tranquila leveza
Ela me abraçou,
E sorrindo, me embalou
Na mesma e velha canção.
E ali eu tive a certeza
Sublime e linda
De que estava vivo ainda
O meu pobre coração.
Eu ri e sorri, sem perceber
Ela viu e de volta me sorriu
A dor partiu, a tristeza sorriu
E, de repente,
tudo ganhou cores.
A tempestade de mil anos
Parou por um instante
O inferno delirante
Tornou-se um Céu de amores.
Senti-me vivo como há tempos não sentia...
Mas num piscar de olhos
Num breve momento
Ela voou e sumiu no vento
Como que dançando
Pelos céus da Eternidade.
O amor virou carícia
A carícia virou calma
A calma virou dor n'alma
E a dor virou saudade.
Eu ainda chorava
Vendo-a partir
Sentindo junto dela ir
A esperança tão serena.
Mas voando, para sempre,
Sabe Deus se por amor ou pena
deixou cair uma só pena
que mesmo triste faz-me crer
Que esta vida vale a pena.