Infância

Cai o pingo d’ agua na ponta da chuva

Corro a ladeira e vejo o morrinho de barro

Olha lá mamãe sorrindo ela pula cai de chinelo

Lá vai minha infância subindo de pé descalço

E meu bucho vai cheio de feijão colorido

Oh!Que minha vida era boa de jogar peteca

A meninada toda me chamava de tardizinha

Só tomava banho depois de uma boa sova

A rua era minha escola num era gente não

Matei gato na lata de leite da bomba que fiz

Era tudo ingenuidade dessa menina feliz

Lambuzei-me de lama da sarjeta que desci

Lá vai minha infância chorando de bucho cheio

Cheio das frieiras que meu pé quase caiu

Cheio dos meus risos e de minhas danações

Cheio de cabeças das bonecas que cortei

Pulei corda foi pra chegar logo na vida

As curubas em mim arderam e doeu viu

Fui criança estranha de criação rígida vovô

Porém atrás do rumo cresci menina moça

Só aos dezoitos anos conheci alguns lábios

Que quase morri, num gostei da babação

O menino fugiu, bicho do mato disse que sou!

Espantei e até hoje espanto, os moços de perto de mim

Mas eu fiz cores na infância, eu me fiz e me criei de boa

Moleca de beira de rua que do queima brinquei

Salvei vidas, salvei latinhas, salvei pega-pega, salve-me!

Gritou à vizinha: é uma peste segura esse diabo dentro de casa

Fiz sopa com as lombrigas no fundo do quintal

Doente sempre fui e não dava brecha pra febre

Era bombons misturados com comprimidos chupei

Ler foi o que fiz meu prato de todo dia comia

E quando sangrou chorei, mamãe me cortei

Era chuva debaixo de minhas pernas...

Era eu nascendo como mulher pra vida receber

Você já pode gerar uma vida, disse minha mãe chorando

Aos olhos de quem me ver muitas histórias contei

Não sentirei mais os mesmos cheiros e gostos da infância

Não jogarei a peteca que me marcou de surra as costas

Não viverei a infância que me roubaram do doce amargo de ser criança.

Silmara Silva