Uma espécie de tributo à coragem

Admiro por demais a coragem

dos que nunca ousaram sair.

Muito embora eu tenha partido

porque meus sonhos eram estranhos

e eu não os compraria nas padarias daí.

Doeu partir e ainda dói.

Meus olhos sentiram isso,

mas não conheço nenhum feitiço,

capaz de fazer o tempo voltar,

exatamente como era, a vera.

A manga rosa, que delícia, dona Rosa,

um dedinho de prosa com o meu velho pai

e o olhar atento às improbabilidades futuras.

A saudade, decerto que não mata,

pois se matasse e com isso me calasse,

ainda assim deixaria boas lembranças,

a cada vez que o vento soprasse,

descendo lá do morro do Cristo,

até São Silvano,

atravessando a velha ponte.

E isso tudo foi ainda ontem,

pois a nossa vida é tão curta,

mas não carece arrependimento algum

e se fosse possível eu partiria de novo,

só que dessa vez, sem partir o coração

de ninguém.

Colatina e uma estação rodoviária,

frio de maio, ano de 1980,

vários olhos, muitos olhares

e uma mala de incertezas.

Amigos, amigas, irmãos e irmãs

e algumas promessas e juras.

As tanajuras ensaiavam os seus voos,

vindas de algum terreno baldio

e de terra batida.

Eu cresci, a cidade também cresceu,

assim é a vida

e as tanajuras de terreno de terra batida,

talvez só existam ainda em mim,

mas enfim,

creio que era assim que tinha que ser,

só me doeu muito saber,

que o meu velho rio,

que escorria sob a velha ponte,

após tanto sofrimento,

adoeceu.

Mas que não foi por mim,

graças a Deus.