Vaga lembrança ...

Hoje,

eu sinto os cheiros

da minha infância.

O fogão em brasas, fumegante,

o cheiro do bolo, do pão, quentinho ...

o café forte, o leite com açucar.

Brincadeiras na mesa, conversas fiadas,

xícara de café entornada, toalha molhada,

panela no fogo, alho, cebola, pimenta, ervas, cebolinhas ...

dão cheiros aos refogados saborosos e esperados.

E, os cheiros atraem a bicharada,

miados, latidos, estômagos varados,

todos procuram o caminho do faro.

Lá fora, a vida acontece,

criaturas transparentes circulam o ar,

são ventos levando e trazendo mensagens esperadas.

Sinto cheiros de flores ...

O jardim, minha maior saudade, é saudade sim!

A multiplicidade de flores que enfeitavam os canteiros,

rosas, azáleias, margaridas, gerânios,

davam colorido e luz, afloravam emoções de quem passava pela rua,

Lírios baldios tombavam sonolentos pela calçada,

eram os mais protegidos, talvez pela fragilidade das flores.

Sinto cheiros de grama, verdinhas, verdinhas ...

suas folhinhas eram esperanças que

suavemente agitavam-se pelo ar.

Sinto cheiros de pingos d´água, caiam

sobre os antúrios, da janela admirava sua beleza, agradecidos pelo

frescor, correspondiam fielmente com lindas flores.

Sinto cheiros de pássaros, especialmente de pardais, sabiás, e de

bem-te-vis, junto com as cigarras, dividiam o galho mais alto do

magestoso ipê em festa, lá orquestravam um canto divinal,

em tardes outonais.

O amarelo constratava com o roxo da quaresmeira,

outra guardiã de pássaros.

Fiel na estação, os jasmis pipocavam alegres em novembro,

seu cheiro embriagador, adentrava pelas portas e janelas,

resplandecentes como o sol da manhã, se davam de presente,

a quem um dia os cultivou, Minha Mãe,

exalando parabéns pra você!

Sinto cheiros da minha infancia, da minha vasta cabeleira loira,

dos cachos embaraçados, como hastes de trigo,

curvavam sobre meus ombros,

provocando lágrimas ao pentear.

Das travessuras, dos puxões de orelhas, das cantigas de roda,

"se está rua fosse minha, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas de brilhante, só para ver meu amor passar..."

Sintos cheiros da laranjeira em flor, castigada pelo tempo,

mas fiél nos frutos, deliciosamente doces, na estação outonal,

o abacateiro gigante, sua folhagem debruçava em cima da varanda,

seus frutos maduros despencavam no telhado,

um verdadeiro tilintar de fogos.

A varanda era o ponto de encontro, de conversas,

segredos, lágrimas e múltiplas revelações.

Longe o sol nascia e corria para a noite, em tão indagador eu admirava

o horizonte longinquo, às vezes claro como um dia puro, outras vezes,

ameaçador como os ventos noturnos.

Sintos cheiros da minha casa, das roupas branquinhas no varal,

do almoço de domingo, das tardes de domingo,

das doenças infantis, do apalpar da febre, das cobertas quentes.

Sinto cheiros das manhãs invernais, da chuva, da terra molhada,

do sol depois da chuva, das manhãs ensolaradas de verão.

Sinto cheiros de frutas, de manga, minha preferida, quando chupava,

o suco escorria pela canto da minha boca,

lambuzando meus dedos, minhas mãos, minha roupa.

Sintos cheiros de músicas, ouvia-se pelas redondezas da casa,

eram sinfonias desvairadas, cada canto um diferente gosto musical,

mas, sinto cheiros da minha música, da minha vitrola, dos meus discos,

da minha canção preferida, The End!

Sinto cheiros de meus irmãos, em peculiar, sinto o cheiro de cada um,

uns mais selvagens, outros mais suaves.

Sinto cheiros de Natal, do meu primeiro presente, do meu menino Zé!

Sutilmente sinto cheiros da minha mãe,

do seu olhar, do calor de suas mãos,

dos segredos noturnos que confidencíavamos até o amanhecer.

Sinto cheiros ...

dos meus amigos,

do meu primeiro namorado,

das matinês do cinema,

do meu aniversário,

do colégio,

do meu uniforme,

da professora,

das cartinhas de amor,

das emoções,

das orações,

do pôr do sol,

enfim, sinto cheiros de saudade.

Se pudesse voltar ao tempo,

gostaria de sentir os mesmos perfumes,

aprender com os cheiros,

e aprizioná-los no coração.

Somos compostos de lembranças vivas,

histórias vividas,

cheiros que exalam como uma saudade,

E a vida se faz de,

cheiros e saudades.

- Helena Huback -

Helena Huback
Enviado por Helena Huback em 12/06/2018
Reeditado em 07/04/2019
Código do texto: T6362792
Classificação de conteúdo: seguro