Eclipse das linhas

Toda tristeza aqui sinto

beirado à lente de um firmammento,

tanta dor é meu recinto

neste escuro pensamento.

As palavras me olham gastas

e meu olhar pende a beijá-las,

suas ânsias jazem vastas

em linhas por deixá-las.

Meu âmago as escreve

com mãos que sabem da ausência

do abraço que se perde

no vazio da carência.

Sem olhos por mirar

que espelhem uma presneça,

em pranto a me afogar

nesta incurável já doença.

O silêncio me acolhe

mas não cala meu desgosto;

às paredes me recolhe,

no escuro me apaga o rosto.

Desperdiço as orações

que mais agora precisava

com agouros em monções

que a sina, há muito, guardava.

Vejo-me só, sem forças por falar

nem entender meu coração;

montes de pó, sem os levantar

ou levar-os a brisa da emoção.

O sorriso me foi perdido

neste eclipse que me apagou;

cego ficou ele sem sentido,

dúbio se um dia algo o notou.

O tempo me levou realidades

e por momentos, entre ilusões, pendi;

deixou-me duras saudades,

lembramças que por medo não revivi.

Desfiz os amigos que cativei

na mágoa de um amor que não ganhei;

tantos pés que me calcei...

nus, sinto o frio que lhos herdei.

Lágrimas não são suficientes

para minguar esse aperto,

tocam faces insipientes

do fado que sente o peito.

Minha cabeça em pesar

só vê os passos que eu dou;

não consegue acompanhar

o horizonte por que vou.

Já a alma, parece morta

enquanto espera sua putrefação,

onde a matéria foi já deposta,

coberta em véus de escuridão.

Nem legado deixo ao mundo

pois esqueci-me da vida,

só eu conheço o ego fundo

num vazio de um a alma anoitecida.

O tempo que me contara

é ora resto de eternidade;

se tanto meu pranto apreciara,

agora se lavra à minha saudade.

Sou eu quem espera agora,

que me levem sem pensar;

talvez assim, livre da hora,

os vultos não me escutem lastimar.

Poderia a dor inspirar dias

mas então palavras não suportariam

ver-se tão tardias

lendo mortes que se repetiriam

Oh, das linhas tortuosas,

despeçam-se versos meus,

que se curvem silenciosas,

antes que as borrem meus sonhos breus.

Vitor Barros
Enviado por Vitor Barros em 06/08/2005
Código do texto: T40810