Poema de tristeza absoluta e passageira
Quando eu morrer
Quero as persianas de meu quarto abertas
Para o luar refletir no vazio todas as noites
Para que quem passe da rua jogue confete
Para que a música das casas entrem
E as buzinas ocupem o lugar do silêncio
Quando eu morrer, deixem o mato no meu quintal
As florezinhas tímidas, roxas e anônimas
Deixem os trevos e o capim
Os insetos persistentes
As formigas e suas legiões
Quando eu morrer cerrem bem minhas pálpebras
Pois morri intoxicado de luz e quero a escuridão
Não esqueçam as moedas para o barqueiro
Irei para o Hades fugir do tédio
E dos santos hipócritas
Quando eu morrer, deixem minhas roupas no varal
Acenando a cada brisa, com saudades de mim.
Deixem a chuva fazer a vez do meu suor
E a poeira tomar lugar da minha humana sujeira
Quando eu morrer,
Pode ser em um dia como o de hoje
Não velem o meu corpo hirto
Não chamem padre, rabino, pastor
Não me benzam e não orem por mim
Não me banhem em água benta
Ali está uma casca que dispensa rituais.
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Que meus amigos não se vistam de luto
Não chorem ou solucem
Não me façam elogios
Não me acrescentem atributos
Que cantem, dancem, assobiem e zombem
Que se riam
Que se amem e que se armem
Com ideais que deixei esquecidos
Não se apressem, amigos
Haverá tempo.
Hoje estou longe, nas montanhas que criei
Hoje estou longe, nos mares dos quais fugi
Hoje estou longe e desliguei o telefone
Os fios, as veias.
Só hoje.