Um retrato e muitas histórias

Na gaveta o retrato

instantâneo emoldurado

com madeira e saudades.

todos estes rostos

que o tempo cuidou

de pincelar

com um triste tom amarelo.

Aquele em pé,

com um sorriso e um copo erguido,

hoje é pastor evangélico

e condenou todos os outros

ao fogo do inferno.

A mais bonita, à esquerda,

namorada sonhada por todos nós

é hoje mulher de muitos homens

e nenhum pudor.

O gordinho está morto,

enfarte.

O cabeludo, de roupas transadas,

que fumava e cheirava

tornou-se presidente

de uma multinacional.

O CDF, com espinhas,

pirou, foi pro Nepal

e nunca mais soubemos dele.

A de tranças e aparelho nos dentes,

tem hoje três filhos,

um marido rico e corno.

A loira, dissimulada,

é madre em algum lugar na Bahia.

O neguinho, com cabelo Black Power

está em algum lugar

da América Central,

faz parte dos Médicos Sem Fronteiras.

Aquele outro é portador de HIV

e fundou uma ONG.

O do fundo, de gestos largos,

virou político,

está rico, cínico e feliz.

O esquisito,

que não olha para a câmera

e parece escrever num guardanapo,

este, sou eu,

imaginando onde

aquele momento retratado

iria dar

em algum lugar do futuro.

23/01/2010