A fazenda Bom Jesus

Na fazenda Bom Jesus,
do finado Seu Vicente,
tinha milho pro cuscuz,
babaçu e aguardente.
Nego Louro era o gerente,
controlava os mantimentos:
duas vacas, dois jumentos,
dois bezerros, dois cabritos...
e um dos céus mais bonitos,
que me vem ao pensamento.

A calçada sem cimento,
a casa de chão batido,
coité com leite mugido,
água de poço barrento,
caboclo pedindo assento
pra descançar a carcaça,
a manga rosa de graça.
E ao encerrar o batente:
um gole de água-ardente
e fumo bom de fumaça.

Nesta vida tudo passa:
a infância, a mocidade;
a verdade, a falsidade;
a retidão, a trapassa;
o caçador e a caça...
Passa a caroça e o trem,
o mal por cima do bem,
a ressaca a bebedeira...
E, quer queira ou não queira,
a vida passa também.

Passa um ano e outro vem,
passa o escuro e a luz,
passa o credo, passa a cruz
o Deus te pague, o amém...
Passa o tostão, o vitém,
a miséria e a fatura,
a arte, a literatura...
Passa a noite, passa o dia...
só não passa a poesia,
d'água mole em pedra dura.

Para a geração futura
da fazenda Bom Jesus,
que alguém possa fazer jus,
como diz na escritura:
à cachaça, à rapadura
e  saudade de herança,
que até onde a vista alcança,
e o sonho possa alcançar,
como o rio frente ao mar
e o velho frente à criança.
Herculano Alencar
Enviado por Herculano Alencar em 08/01/2021
Reeditado em 08/01/2021
Código do texto: T7155124
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