MERCADO CENTRAL [ManoelSerrão]

MERCADO CENTRAL

Por entre escarras vazas que baforam ofídicas da boca dos canos. Por entre chaminés a fuligem que entre prédios se espalha pelo perímetro urbano. Por entre vielas esburacadas, ruas, ladeiras, travessas, becos, corredores e vias desconhecidas, me deixei levar pelas marginais sujas. Nunca havia atentado para o odor de aerossóis vencidos, o aroma do perfume barato e o mal cheiro insurportável da uréia amônia, do chorume das sarjetas, da podridão das fezes espalhadas pelas calçadas, do dióxido de enxofre e [CO2] carbono invasivo que entranha pelas narinas. Nunca havia reparado na rara fartura da ceia que sob aquele “leve” manto atmosférico saciava-se a fome num desjejum “pingado” com pão mofado de suor e cansaço no apressado buzinado de um velho [chofer na boléia] FMN [fê/nê/mê] e alimentando um cuscuz no vapor servido e alguns bolinhos de arroz queimando.

Defronte? Descarga de terra e água e descarga de fogo e ar na hora marcada; Carga de animal e planta; de fruta e leguminosas; e carga de secos, temperos e molhados.

Ao lado? Pregões, apregoados e pregoeiros com ofertadas. Tem a do peixe passado do peixeiro; a do ferro torto do ferreiro; a da carne podre do açougueiro que espirra e cheira rapé; a do feio verde do verdureiro; a do pneu furado do borracheiro; a do jogo do bicho do cambista; e as quinquilharias e tralhas do jovem caixeiro. Algumas até bem em conta como aquelas as de cem mil decibéis de barulho embrulhado modulando entre ondas carregadas de papel picado pelo pálio central do mercado.

Atrás? Uma matilha pirada latindo no assédio à cadela do cio; bêbados entregues e traídos por tragos e tabacos e estragos de vidros quebrados no rompante pigarro da esquina.

Um pouco mais à frente fazendo “ponto” o pífio, a puta e o ladrão; o gigolô; o malandro; e o cafetã de conluio com a gang no vício dos semi-deuses.

A separação e as diferenças. A “nata” de tudo e de todos os diferentes. Uns movidos pela fé, a razão e a emoção, outros pela simples razão da ração que o “sustentam”. O limite. O front. Os “muitos” sem que possam sustentar nem colonizar suas próprias vidas na construção de “pontes” como forma de descobrir e reconhecer em si mesmo o outro.

Entremeio a cena me vejo ofertando-lhes suaves porções de versos e poesia. Ôlá lá! Nenhum “freguês”? E o que importa! Poetas são doidos mesmos!

De repente às seis irrompem transpassando-me o ray-ban de laminado cristalino jactos de luzes do sol da manhã. E de logo me dou à cônscia como sonhos nós de que o Ser-homem-mundo, o imudando-se, como os mundos possíveis, é só uma imagem de luz impressa na substância...“no meio do mercado andai como os Leões”.

São Luis [MA], 25 de fevereiro de 2010.

Manoel Serrão.

serraomanoel
Enviado por serraomanoel em 13/07/2010
Código do texto: T2374181
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