O PASSEIO DOS LOBOS


Noite escura, madrugada. Vento soprando forte.
Calor sufocante. A esquina me direcionou ao cemitério.                                                          Lobo de olhos amarelos novamente guiando minhas atitudes.
Duas almas passaram ao meu lado indiferentes, riam, gargalhavam..
Sete cachorros e uma cadela no cio zigue-zagueavam na dança pela reprodução.
Um vulto saiu por detrás de uma árvore. Os olhos profundamente amarelos dos lobos estáticos em todos os desertos do planeta aguardavam o desenrolar deste meu delírio.
Um cheiro forte de urina contaminou meu terror.
Um gato preto pulou do muro.
Um bêbado se levantou de repente e vomitou no meu sapato.
Lagartixas fugiram gargalhando.
As minhocas eram serpentes.
Perto da lua ausente, o olhar estático da fera.
A noite escura, o muro branco, escancara uma abertura cúmplice,
permitindo minha passagem.

A escada rolante me levou ao campo santo.
Chapéus e lenços brancos acenavam
Dois lobos uivavam
Vovó levantou do túmulo e me abraçou.
Seus ossos caíram aos meus pés.
Seus filhos, os do além, urgiram em juntá-los.
Um rastro de fogo me seguiu.
Todas as velas anteriores acenderam.
Véus e dançarinas circundavam os túmulos.
Aves negras riscavam o vento.
Virgens gritavam desesperadas.
Flores murchas se revigoraram.
Um copo de leite me tirou para dançar
Ossos irromperam das covas
Lápides de mármore e granito flutuaram como tapetes voadores.
Um anjo de cobre derreteu-se em agonia 
Gritos desesperados.
Lobos expuseram as presas em todos os desertos.
Corri como nunca.
Derrubei almas penadas.
Fui xingado, amaldiçoado,
Onde se viu, ser tão mal educado?
Exausto sentei na amurada de um túmulo.
Flores ainda fedendo,
Algumas pisadas,
Por alguém descuidado, no enterro recente.
Ofegante, desesperado, conformado,
Procuro guarida no nome do descarnado.
Local de morto inconformado.
O buraco teimosamente aberto,
A lápide reluzente,
A frase definitiva:  

Não sei se cheguei ou parti. 

Os lobos, então, descontraidos, voltam as costas para minha agonia e saem altivos e solitários, como eu, pela escuridão adentro, deixando os fantasmas que teimam em não me abandonar.
Humberto Bley Menezes
Enviado por Humberto Bley Menezes em 16/11/2006
Reeditado em 16/11/2006
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