POEMA ALUCINANTE E FRENÉTICO

POEMA ALUCINANTE E FRENÉTICO (Nove anos no Recanto das Letras)

I

Peguei

No papel nu;

Peguei

Na ávida caneta;

Peguei

Na cadeira predileta

E sentei.

Puxei

Pela mioleira

E cismei, cismei, cismei...

Mas,

Sem

Uma ideia ordeira

Nem

Sombra de inspiração,

Cheguei

À conclusão

Que:

Pequei!

[Ruído!...]

II

O meu desolado olhar

Acabou por pousar

Na garrafa de licor caseiro

Feito com casca de tangerina.

Ante os glaciares rigores de janeiro,

Senti atração pela ardente menina,

Que dorme há um ano imaculada

E já deve estar apurada!

Pego num copo e aProvo

Sem receio:

- Cheio!!!

[Um ruído!...]

III

Ouço

As notícias na TV:

Um político é suspeito de corrupção;

Um mecenas enganou uma multidão;

Um banqueiro desviou um milhão;

Um diretor recebeu choruda indemnização;

Um outro, isto...

Um outro, aquilo...

Um outro...

(… E desligo a minha atenção!)

Ouço,

Um pouco mais tarde,

Que a Terra arde

Em labaredas de guerra;

Que podem ocorrer outras mais

E que os militares

Reforçam os nucleares

Arsenais.

Mas ouço

Falar tão pouco

(Qual nota de rodapé)

Dos milhões

De esfomeados, de refugiados, de escravizados,

Que sobrevivem na maior solidão

Entre a multidão!

E ouço

(Perfeita _ mente)

Falar nas intocáveis opulências das figuras públicas,

Nas indispensáveis tendências da moda,

Nas incomparáveis excelências do desporto,

Nas incontornáveis eminências cinematográficas...

E muitos outros que vão desfilando os egos vãos

Enquanto flutuam nas rubras passadeiras da indiferença

… Ante o servilismo dos inumeráveis otários desta vida.

Mas que ninguém desespere:

“Já de seguida apresentamos uma maratona de imperdíveis

telenovelas”!

Indiferente a qualquer tipo de jogos sujos,

O meu cão late

(Explicita _ mente):

OSSO!!!

[Um ruído alucinante!...]

IV

O meu gato e a minha gata

Andam em clima de assanhado romance

E nem o frio de janeiro os gela.

Para mal dos meus pecados,

Namoram dentro de casa,

Fundindo o seu ardor

Com calor do fogo da lareira.

Quem não partilha desse entusiasmo

É a minha asma!

[Um ruído alucinante na cabeça!...]

V

Um ruído

Um ruído alucinante

Um ruído alucinante na cabeça

Um ruído alucinante na minha cabeça:

Existe um maldito relógio de cuco, dos primórdios do mundo,

Que não se cansa de me atormentar duas vezes por segundo!

Tic Tac... Tic Tac... Tic Tac... Tic Tac... Tic Tac... Tic Tac...

[Um ruído alucinante na minha cabeça!...]

VI

Tiro do cesto da lenha uma acha

Com que alimento

O fogo que me aquece, por fora

E arrefece por dentro; acho

Aquele pau de sobro,

Que há tempos resiste

Pelo seu excessivo comprimento:

Fiquei de lhe cortar um bocado

Assim que tiver tempo...

… Mas o tempo nunca sobra

Quando é mal aproveitado!

[Existe um ruído alucinante na minha cabeça...]

VII

Um poeta:

Um poeta alucinado!...

Existe um poeta alucinado com o ruído!

Existe um poeta alucinado com os temporais da sua falta de inspiração!

Existe um poeta alucinado com os bramidos da hipocrisia planetária!

Existe um poeta alucinado com o trincar constante do cão que rói o osso!

Existe um poeta alucinado com o rumor dos gatos na primavera dos cios!

Existe um poeta alucinado com as faíscas com que o relógio ofusca a sua cabeça!

Existe um copo meio vazio e uma garrafa meio cheia e

um corpo, frio, frio, frio, frio, frio, frio, frio, frio, frio, frio...

… Mas existe um pau grande demais para o fogueira e com o tamanho devido para tratar da vida!

E acontece o imparável ataque de fúria:

- Os gatos miam, sopram, lamentam e fogem;

- O cão geme, gane, uiva e escapa;

- A TV estilhaça-se pelo chão e só não se evadiu por não ter pernas para correr;

- O relógio deixou de bater ao ser abatido e só não voou porque o cuco ficou sem asas...

… E um poeta fracassado deixou de pensar pois na sua mente nada mais há para criar.

VIII

E agora existe algures, a ilha dos contrastes:

Uma casa de silêncios perpétuos e imaculados

Cercada de ruídos intermináveis por todos os lados!

24.01.2015 & 29.01.2015

A assinalar a passagem dos meus nove anos no Recanto das Letras,

apresento o que, inicialmente, seriam cinco poemas independentes - cuja metamorfose os transforma em oito capítulos.

O meu grande desafio: fundi-los num só poema!

Acaba por ser também um desafio ao leitor pois não é fácil seguir os seus vários trilhos.

Saudações a todos quantos me têm acompanhado!

Abílio Henriques

HENRICABILIO
Enviado por HENRICABILIO em 09/03/2015
Reeditado em 26/01/2016
Código do texto: T5163977
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