A MAGNÍFICA PROCISSÃO DA SEXTA-FEIRA SANTA COM BANDA, ESTANDARTE E FOGOS DE ARTIFÍCIO

.

• a grande enchente de novembro de um ano qualquer

• o primeiro carnaval, tímido caubói

• o segundo carnaval, triste pierrô

• as pombas aturdidas, os holofotes na catedral sem calor

• uma cerca viva como amiga, os vaga-lumes inocentes

• os álamos do outro lado da muralha

• o velho pescador risonho que tomava banho de perfume para repelir os mosquitos do rio

• as bolas de gude, a réstia oblíqua nas tardes de verão

• o gelo nos vidros, o inverno sem luz, a acetona no sangue

• os sapatos impecáveis, os pés aprisionados, a pigra primavera

• a magnífica procissão da sexta-feira santa com banda, estandarte e fogos de artifício

• rodopiar até tombar na grama

• o Nautilus, Moby Dick, o Bounty e os coqueirais em preto e branco

• o sol vermelho através das pálpebras

• o professor homossexual que fumava cigarros mentolados em sala de áula

• B.E., que tirava boas notas em latim e era o meu único amigo

• uma carteira de Muratti Ambassador e o lento fim da eternidade no cinema paroquial

• o tímido sacristão diabético que sabia falar inglês

• os Beatles na vitrola, Carla e as minhas mãos suadas

• a neve de cinza e as andorinhas que não chegam

• o barbeiro marxista que vendia livros proibidos e garrafas de kümmel falsificado

• os loucos bem afinados no coreto do hospital psiquiátrico

• o desfile do primeiro de maio, as bandeiras vermelhas, a banda municipal

• o paletó, a gravata, a asfixia sem um lamento

• o riso cristalino de Laura na sede decadente do Partido Comunista

• o sono no vulcão, o confessionário carcomido, o pecado inexistente

• o baú abarrotado, o choro silencioso dos brinquedos

• as horas perdidas entre as glicínias, os lábios da adolescente apaixonada

• a morte distraída, a ácida saliva da mulher casada

• a marcha diurna de um vaga-lume sem rumo

• um jaleco branco, um anfíbio dissecado, as mãos finas da aluna anoréxica

• os álamos cortados do outro lado da muralha, o holocausto dos vaga-lumes

• a enxente furiosa do final de abril de um ano qualquer

Esse poema foi adicionado ao meu E-book intitulado: "Todos os Poemas" que pode ser baixado grátis na seção E-livros da minha escrivaninha.

Richard Foxe
Enviado por Richard Foxe em 17/04/2019
Reeditado em 27/08/2019
Código do texto: T6625923
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.