Vida e morte

Quem alardeia que o progresso e seu rompante

é sinônimo de vida abundante

não sabe das atuais circunstâncias

advindas das estiagens longas

lá no norte de minas.

Lá, como que milagre, o tal desenvolvimento

implantou, à força, a monocultura; adrede

a ela, os dissabores da seca verde

e um prolongado e árduo sofrimento.

Quem combate minhas palavras

precisava conhecer a nossa infância

vivida nos sítios às escuras

traçados por estradas tropeiras

casa de sede lumiada à lamparina,

rios que se atravessavam à nadadas

isso quando a época não era de invernadas;

precisava sentir o peso das peneiras

abarrotadas de peixes pescados sob os espelhos

das águas cristalinas em abundância;

precisava mesmo era ver a esperança

que saltava dos olhos dos caboclos

...mas o progresso em sua afoiteza

invadiu as chapadas e os campos gerais

engoliu as nascentes, as correntezas

iludiu as pessoas com sua riqueza

e se eclodiu numa imensidão verde de tristeza

e provocou o êxodo rural, aos poucos.

Quem afirma que a morte é o fim da vida

nunca prestou atenção nas vicissitudes

que ladina ou abruptamente e amiúde

se debruçam na janela de nossos dias;

nunca percebeu quão rara é a amizade

quando se está em combate co'a enfermidade;

nunca perdeu um amor que se acreditava eterno

nem provou do azedume servido no inferno

dessa perda irretratável;

nunca exercitou olhar para baixo atentamente

e desesperadamente viu que a vida ou a prévia

da morte surrupiou-lhe o tapete, o chão e corrente

que lhe prendia no pêndulo da gravidade.

Quem espalha que a morte é imprevisível

jamais admitiu vencido pelas noites às claras

insone e em monólogo pro abajur da sala;

jamais se viu de repente quão a vida é injusta

e quanto tolo, quase risível,

é o viver desprovido de simples perspectivas;

quem sustenta que a morte é sorrateira

sequer se dá ao trabalho de se olhar no espelho

e observar a queda prenunciada dos cabelos

e o silêncio mortal das células sem vida;

sequer tem tempo para perceber

que é na suposta falta de tempo

que se morre a todo momento

desde que se vive distante do bem querer,

desde que vencido o tempo de nascer.