Ato de fato

Deixo a besta fome se perder no juízo parvo dos passantes, afinal nem ela mesma se sabe atriz principal nessa calçada da fama. Adorno os olhares esgazeados com poesias lúgubres intercaladas de risos frouxos e muitas pérolas ditas sem censura.

Quem há de se perder nessa guerra de retórica famigerada? Um vulgo espírito de face encavada e falsos passos, que permanece hilário para o consumo da inerme massa estupidamente passiva. Mas não é só de horrores que se vive nessa selva de cascalhos bem cuidados há o mel que pinga da boa seiva, rara, mas de fonte certa.

É pouco ou nada seguro nesse feixe de ilusões banais a estranha convivência in natura, é um quase anunciado suicídio público. Na valia dos grandes feitos, da luxúria revelada quase em volúpia ficam vincados no mural da publicidade gratuita a personalidade magnânima da existência humana.

Seixos que somos nessa correnteza inóspita de leito para as gerações vindouras deixamos rastros seguros para quem há de pisar o mesmo chão depois de nós e deixamos comportas abertas para que escorram a vaidade, o orgulho e até as nossas pequenas crueldades. Semeamos nessa passagem quase obscura um canteiro de flores particularmente artificiais que colherão tanto a ralé admirada quanto a prole desencantada.

Que venham então os dias negros sob o estrondo da euforia teatral a musicar a passagem ostensiva da miséria fantasiada de turba elegante para o aplauso disciplinada da seleta frisa que observa sequiosa.

No camarim o debrum da roupa desgastada é cosido com esmero para o próximo ato.

Angélica Teresa Faiz Almstadter
Enviado por Angélica Teresa Faiz Almstadter em 11/06/2008
Reeditado em 11/06/2008
Código do texto: T1029520
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