ENVELHECER É BELO

O espelho, esse grande inimigo diário, o espião do tempo sempre denuncia um algo diferente em nosso corpo: um fio de cabelo branco, aquela ruga escondidinha no canto do olho, o peito que não suporta a gravidade, a barriguinha escondida por uma blusa larga e tantos outros sinais de que estamos perdendo a juventude.

Ser jovem é tudo em nossa cultura.É quase uma tirania ou talvez uma obrigação.Como se a juventude durasse para sempre tal qual a filme “Highlander”.Ora bolas não somos imortais!Amadurecer faz parte da vida, por que ficar neurótica/o diante desse fato?Antes de pensar que se perde a juventude, deve-se pensar que se ganha a maturidade e a experiência.Não posso dizer que ganhamos a “velhice”.A palavra carrega conotações tão ruins.Minha própria mãe acha a palavra feia porque pensar no velho é pensar naquilo que está acabado,deteriorado.E sabe que ela está certa!Pense nesta palavra.O que vem a sua mente?Já posso até imaginar...Usamos esta palavra aliada a outras tão piores;”ela é velha e gorda!” ou “ele está ficando um velho chato!” ou ainda “preciso comprar um computador novo, este está velho e cansado”.Dessa forma, estar velho é estar cansado, fora de moda, fora de forma, fora dos padrões e, atualmente, o padrão é o da beleza e juventude eternas.

Como se não houvesse beleza nos cabelos brancos bem vividos ou naquele seio que caiu, mas que ainda causa emoção no seu parceiro!

Envelhecer é uma arte nesta sociedade em que vivemos.No outro dia escutei a seguinte pérola:”pôxa esses aposentados não têm nada o que fazer mesmo!Acordam cedo e pegam o ônibus ali para descer aqui!E então me perguntei: e daí?Agora que é o momento de pegar o ônibus e descer onde quiser, pois antes o caminho era casa-trabalho e agora há outras opções.Por que as pessoas se importam com detalhes ou pior: não se vêem pegando o ônibus ali para saltar aqui?

Quando eu ficar velhinha, quero pegar o ônibus e ir para onde eu quiser e bem entender.Quero cuidar de meus netos, sim, mas também vou querer viajar, dançar, estudar e tudo que não consegui fazer por conta de meu trabalho e falta de tempo.Posso estar perdendo a juventude, a minha já vai longe, porém estarei ganhando todo o tempo do mundo para viver coisas que não vivi.Creio que não precisamos envelhecer, achando que agora é sentar e esperar a morte chegar.Há tantos mortos-vivos que são jovens!

Meu avô viveu até os oitenta e seis anos de idade, minha avó até os setenta e oito e eu quero viver o suficiente para ver os meus netos e bisnetos, exatamente como eles.Adorava ouvir meu avô falar da guerra, do passado e da política.Ele era fã de Lamarca.Adorava chegar na casa de vovó e ouvir ela dizer “Karla, comprei goiabada para você. Está em cima da geladeira.”...Saudade...Quanta saudade Meu Deus!Adorava ouvir o avô de uma amiga que trabalhou na resistência italiana contar o que fez para ajudar as pessoas.Sabe, quero ter o que contar para as pessoas, para os meus netos e bisnetos e quem mais chegar quando eu chegar lá.

Chame como quiser, mas envelhecer é ter história de vida, é ter um baú aberto dentro de si cheio de coisas encantadas.Eu não quero me olhar no espelho e ficar chateada por não ser mais uma garotinha com a pele lisinha e os cabelos pretinhos.Não quero saber de plástica ou qualquer coisa do gênero.Não estou dizendo com isso que acho errado quem faz plástica, cada um sabe de si.Não quero também parecer uma colega de minha filha, nem bancar a “irmâe”.O espelho que me desculpe e o Poeta também: a beleza é fundamental.Contudo, envelhecer é mais belo ainda.

Karla Bardanza

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Karla Bardanza
Enviado por Karla Bardanza em 06/07/2008
Código do texto: T1067704
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