UM CONTO DE SAUDADES...

Sempre é verão, quando se tem algo para contar.

Contar 1,2,3,...10

Para cantar uma música...

Para contar uma história...

Para contar um conto...Um conto estranho...

Um conto de verão...

um conto cheio de saudades.

Era verão, fim de dezembro...Fim de ano.

Sim, era festa de fim de ano, quando ele chegou, estranho, desconhecido, misterioso.

E sempre foram de mistérios seus dias. Veio de longe, de lugares distantes, deixou tudo e todos e aqui chegou. Chegou ao país, o qual seus antepassados descobriram, conquistaram...

Chegou e se quedou ao nosso lado.

Tentando descobrir...conquistar...

Diferente... Ás vezes era criança, travesso, inquieto, intranqüilo, indócil.

Ás vezes era o homem sedutor, charmoso, encantador...

Quando aqui chegou encantou...

Encantou com suas danas, seus perfumes, seus risos, ora sedutores e maliciosos, ora estridentes, sua maneira pura de ser.

E não fez nada de diferente. Apenas foi ele mesmo.

Foi simples com as crianças, com os animais, com os adultos e com todas as coisas. Adorava cavalos, jogar bola, dançar, praia, mar, dormir...

Dançar... Dançar...Dançar lambada, músicas gauchescas, músicas de carnaval. As músicas brasileiras faziam-no vibrar, seu corpo estremecia e chegava ao êxtase da plenitude e não se sabia, vendo-o dançar, se era brasileiro, português ou, quem sabe, um grande bailarino espanhol. Ele era um mistério... O mistério de nave desconhecida...

Nunca se soube realmente sua história. Só que era especial.

Especial, sim, pois era um desconhecido que veio de longe, chegou, cativou e todos o amaram. E ele falava que adorava Brasil...Adorava o sul. Pelo menos falava.

Apreciava as crianças, as flores, o verde, os animais, a praia, o mar, os adultos, a todos e a tudo.

E todos conquistou e a todos amou. E a todos deu, de uma maneira especial, o seu amor. E todos o amaram...

Ficou o tempo infinito para que pudéssemos aprender a amá-lo como merecia, e o tempo mínimo para que todos ficassem morrendo de saudades quando partiu.

Voltou para o seu país e aqui ficamos com saudades. Fazendo contos, cantos e poemas.

Mergulhada na noite sem estrelas, busco agora lembranças inexistentes para justificar a saudade presente, uma saudade sem razão que é toda a minha razão.

Faz pouco tempo que partiu, e já sinto a saudade que está doendo de mansinho em meu coração.

A saudade aperta cada vez mais, só de pensar que não sentiremos seu perfume, não ouviremos sua voz, suas risadas estridentes, maravilhosas. Como sentiremos saudade...

E como se tivesse existido um momento que não vivi. Como se o tempo tivesse saltado a hora mais importante. Como se minhas mãos guardasse o vazio de mãos que não encontrei, mas que estavam tão próximas de mim. E ele partiu... Partiu o desconhecido misterioso.

Como se em meus olhos existisse ainda a luz de um encantamento que não tive... Saudades de um momento inexistente, ou simplesmente saudades, saudades de ti, saudades.

De um momento que poderia ter existido, mas que se desfez antes que eu me embriagasse dele.

Saudade de ti, saudades de canções que não criaram forma, mas que me embalaram num momento qualquer...

Saudade de gestos que nunca aconteceram, mas que me embalaram de ternura, e dos que me cativaram...

Ah! Foram tantos os que me cativaram...

Mas partistes e ficou em mim o vácuo da saudade.

Saudade da rosa que sonhei ganhar de ti, que não vi...Mas tenho certeza de que eram rosas banhadas do orvalho da manhã, que não cheguei a conhecer.

Desconhecido misterioso, que saudades das palavras que não foram ditas, mas que pude ouvir e soube entender.

Das canções que não cantaste, mas que me embalaram de magia e amor.

Saudade...Muitas saudades...

Saudade de todas as coisas que deixaram de acontecer... Das coisas que não consegui dizer, mostrar...Na minha pressa para que não percebesses que sentiria saudade...

Não sei...Nunca vou saber..Tudo o que sei é que de repente tenho uma saudade imensa..

Indefinida, envolvente, dolorida.

Uma saudade que não fica em tempo algum, mas que absorve o tempo presente.

Saudades que se perde num tempo indefinido, que parte em busca do encontro... que já não pode acontecer, pois estás distante, porque és apenas saudades...

E eu mergulho na noite a minha dor sem sentido, e arranco do espaço versos, poemas, contos sem nexo., sem sentido, que me dita a minha saudade, esta saudade imensa...

Como tenho saudade e sofro...Se fosses real eu calaria. Mas como matar esta saudade, desconhecido misterioso, que vieste de além- mar?

E a saudade se torna um conto, um canto, um poema para ti, que chegaste, conquistaste e partiste.

E assim, com imensa saudade, terminam todos os contos que fazem as pessoas que morrem de saudade de pessoas misteriosas, desconhecidas, especiais como tu...e que se foram.

LEINECY PEREIRA DORNELES

Do livro “ Contos de Saudades e Sete-Crônicas do Dia-a-Dia”,

Scortecci Editoras, São Paulo, 1994. 78 páginas.