ESTÁTUAS E VELHO AMOR

Solenemente, ergo estátuas para saudar o amor que tivemos.

Estátuas de feno, de musgo, de cobre, de lembranças, de alumínio, que a cada movimento redesenham no céu vermelho a risada à meia-boca que negavas a ti mesmo. tuas mãos crispadas à procura dos meus dedos fugidios, tu que eras uma velha sábia se lábios beges, eu moleque aproveitador do teu amor imenso como o cais que espreitávamos embevecidos, imersos na nostalgia marinha da noite e nas manchas de óleo dos navios abandonados, que passavam à nossa frente num desfile carnavalesco de especial negrume, a desdenhar das minhas inverdades. E agora me desafiam as estátuas que construo, porque fui tão pobre e tão distante de ti, quando só trazias nas mãos um amor violento e ao mesmo tempo suave, um amor sem futuro e sem filhos, mas com um negrinho baiano adotado sem cerimônia, de cabelos de carrapichos e uma boca banguela destilando os versos que sua mãe adotiva depositaria em sua língua na noite anterior, com cheiro de peixe e coqueiros –tu, a velha mãe adotiva de todos os filhos que não tive.

E aos poucos depois de tanta dor e sofrimento me abandonaste, tu que eras velha e impura e que amava pisar descalça sobre qualquer coisa onde teus pés se depositassem. Tu que alimentavas samambaias e onze-horas na sacada e me ensinaste os versos e o amor desmedido e sem recordações.

Tu de inútil escândalo e beijos inúteis atrás das colunas dos cinemas da Avenida inédita e imediata, tu que escondeste no colo as palavras estúpidas e as esdrúxulas dívidas absurdas dúvidas, tu que enjaulaste um filho para que não nos visse, e te arrepiaste de medo e ternura entre as lufadas.

Tu que acordava antes de mim para que não te indicasse os traços de velha aos quarenta, tu que a cada dia descobrias e me entregavas um novo poeta e uma nova palavra, e pudicamente rias teu riso de menina contra meu severo preconceito.

Tu que foste minha casa, meu segredo mais declarado, minha etnia minha aldeia minha dança minha flor despetalada pela distância das aguadas, minha mais doce pele, minha boca libertada.

Tu que jamais a mim tiveste, e de longe me guardava nos olhos enrugados, tu que junto aos seios por tantos anos agasalhaste meu corpo sempre em incompreensível movimento -o mesmo corpo que agora, anos depois, abandono para sempre junto ao frio indizível de estátuas imaginárias.

Benilson Toniolo
Enviado por Benilson Toniolo em 15/09/2008
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