O ANCIÃO E A PRAÇA

É muito comum ver um velho sentado num banco de praça, apenas com seu pensamento, alheio a tudo que passa e mesmo sem graça, fica parado no mesmo lugar.

Geralmente o pensamento se perde distante e somente a carcaça, sem graça, fica estática, parada, sem nada.

Os movimentos fortuitos indicam apenas uma alma ativa, cativa, enquanto o espírito emigrou, partiu com o pensamento que se encontra distante, em algum lugar, sem querer voltar.

O grande vazio que logo se instala provoca agonia em quem fica e em quem vai seguindo as constantes mudanças que são processadas durante os dias.

O corpo, já velho e cansado, ficou prisioneiro do desejo da alma que se torna amarga e carrasco de outros e de si.

E assim fica um corpo vazio, seco e parado, estático no mesmo lugar, o olhar, no entanto, se perde no vazio que se expande além de onde a visão pode alcançar.

A criança que passa observa o velho parado, que nem mesmo retribui ao sorriso que lhe foi ofertado.

Volta e meia passa outro igual, autômato humano, sem alma, sem vida, sem nada.

Os pássaros que voam no espaço sem embaraço, pousam e procuram nos pequenos cantos o alimento para o próprio sustento.

A gorda ofegante que passa a pé tentando correr, procura perder o excesso de peso, adquirido com a imprudência da gula feroz, ainda tenta esboçar um sorriso ao corpo inerte, parado, que se encontra sentado.

O policial, acostumado que está àquele lugar, observa atento ao qualquer movimento do velho, que teima em se alhear de tudo e do mundo que segue veloz.

O velho ancião parece até morto, pois fica parado sem nada fazer ou dizer, apenas espera a amiga discreta, que, decerto, virá acariciar e acalentar seus pensamentos num dia qualquer.

Uma garota de maroto olhar passa e olha e com leves trejeitos rebola as ancas e esquenta os pensamentos de outros que passam e andam na rua. Pessoas que passam e seguem um trajeto qualquer, sem um destino antes traçado.

No meio da praça, o pobre pardal se dera bem mal, ao bater contra o vidro colocado perto da torre da antiga igreja. Igreja que serve para todas as queixas, lamúrias e até alegrias de homens e mulheres por horas a fio.

O barulho do carro que passa veloz queimando os pneus por imprudência de algum imbecil, que procura mostrar-se e chamar a atenção de outro qualquer.

E o velho, parado, sentando com olhar distante e vazio, fica ali por horas a fio, alheio a tudo o que passa.

O cão, que se aproxima meio desconfiado, procura cheirar o velho sentado e sem muito interesse prossegue na mesma seqüência. Vai marcando seu território contra outros que se aventurem por ali transitar.

O sol que se levanta já esquenta sem, no entanto, incomodar o velho que fica sentado, parado no mesmo lugar.

O vento sopra e refresca o efeito do sol e queima a pele rachada, por excesso de idade e gasta pelo tempo.

O pombo pousa ao lado de onde se encontra o velho ancião, é ágil e veloz. Anda e se desloca de um lado pro outro, procurando o alimento que fora jogado por todos que vivem de alimentar animais.

O velho relógio da torre da igreja bate e marca apenas três vezes. Batidas monótonas, sem graça que, às vezes, incomoda quem se encontra na praça, procurando ouvir a melodia que vem de uma loja que fica em frente, do outro lado da rua. Música que serve de isca e que procura atrair transeuntes incautos que compram o que é ofertado.

E a vida prossegue em os todos os sentidos e o ancião percebe o sentido da vida. Com o olhar que parece até estar preso, observa quem passa na praça. Embora quem passe na praça não perceba.Ele observa e conversa sozinho com seus pensamentos. Pensamentos lentos, que se encontram atentos a todos que passam por dentro ou por fora da praça.

Os sons se sucedem e o odor forte do café recém coado no bar da esquina o anima e afugenta a preguiça. Num ato de loucura, levanta e anda à procura de quem lhe dê atenção, um sorriso, um café e talvez... um não.

Com seus passos lentos prossegue um caminho que leve um corpo já velho, cansado, gasto pelo tempo.

Encontra, no entanto, numa mão companheira a ajuda na travessia da rua, com lento movimento. Um carro veloz passa como animal feroz, procurando uma vítima qualquer para sanar a loucura daquele que o dirige.

Chega ao outro lado com passos ofegantes e observa o mundo que passa veloz, mas seus passos se arrastam e levam um corpo já velho e usado, cansado do peso do tempo.

Até seu pensamento é raro, é lento. Ainda tenta lembrar o motivo para se levantar e ir além daquele lugar onde costuma sentar... e pensar.

Tudo agora é rotina na vida do velho que antes foi jovem.

Agora, no entanto, como por encanto, os pensamentos do homem que foi alguém de importância, limita-se apenas na procura de encontrar uma voz companheira que lhe possa ouvir o pensamento de um velho cansado, surrado, gasto pelo tempo.

E seguindo ele vai, prossegue um caminho que leve a qualquer lugar, a um lar, um filho que espera um neto, uma casa vazia, onde há muito se ouviam gritos, sorrisos, suaves murmúrios de um grupo de gente que fora a sua família.

Mas, agora, apenas restaram as lembranças em um banco da praça, uma gorda que passa, um pombo que pousa, um pássaro caído, uma criança que ri, o policial que observa, o odor do café, o som do relógio da torre da igreja e detalhes se vão, enquanto ele espera a amiga fiel que virá com certeza, buscá-lo e livrá-lo de toda a tristeza.

A morte, que antes foi tão detestada, é agora amiga, querida e sempre esperada.

29/11/02

Vanderleis Maia
Enviado por Vanderleis Maia em 09/03/2006
Reeditado em 07/03/2009
Código do texto: T120868