Doce de marmelo

Depois que ela se foi, voltei ao seu apartamento. Hesitante, me detive por alguns instantes diante da porta da cozinha, por onde sempre entrávamos. Acabei girando a chave e abrindo a porta. A primeira sensação, como sempre: o cheirinho gostoso - um misto de ervas, condimentos, temperos - que só aquela cozinha tinha (ainda tem). As coisinhas dela no mesmo lugar de sempre. No armário impecavelmente branco com portas de vidro, ao lado e acima da mesinha de granito onde tomávamos o café-da-manhã e lanchávamos à noite, as mesmas xícaras (chávenas, como ela chamava) de louça de seu casamento, 51 anos atrás, com as quais ela gostava de me servir um leite com chocolate ou café - "somente em ocasiões especiais", ela dizia.

Quando eu chegava de viagem para visitá-la, ela ia logo dizendo, ao abrir a porta da cozinha: "fiz seu doce de marmelo" (meu doce preferido, que só ela sabe, sabia fazer), "mas não sei se ficou bom, porque não encontrei bons marmelos" (ela sempre dizia isso, mas o doce era sempre o mesmo, com o mesmo sabor delicioso de sempre!).

Ato contínuo, ela abria a geladeira e exibia, toda orgulhosa: gelatinas, musses, e tudo mais que lá coubesse. Era até engraçado, pois ela sempre falava: "olha, meu filho, você está engordando, precisa emagrecer um pouco, cuidar da saúde, do colesterol, do açúcar...". Mas de que jeito, com todo aquele banquete! - pensava eu.

Antes do doce, geralmente tinha uma batata assada recheada (com aquele recheio pra lá de generoso) e coberta com requeijão cremoso, ou o pão de queijo sem igual que ela fazia, ou alguma outra iguaria "de sal" me esperando. Uma festa!

A gente então se sentava à mesinha da cozinha e ali ficava por um bom tempo conversando, nos olhando docemente nos olhos, trocando confidências de mãe e filho, de amigos que éramos.

Eu não quis mexer no apartamento. Ele está lá, exatamente como ela deixou, com todos os porta-retratos e objetos que são a cara dela. Sei que um dia vou ter de mexer ali, alugar ou vender o apartamento, como sei que será muito difícil fazê-lo.

Aquele apartamento, outrora um lugar de certa magia para mim, é agora um recanto de recordações, com certo ar de deserto, em razão da ausência dela. O prédio já não tem mais o mesmo encanto, assim como as ruas, a padaria ao lado, o shopping onde íamos; a cidade, enfim, já não é mais a mesma.

De volta à minha casa, na cidade onde moro, abri a geladeira e dei com um pote de vidro (ainda intato) com a preciosa iguaria que ela me trouxe quando veio me visitar no final de agosto deste ano. Abri a tampa, provei um pedaço do doce, mas o sabor pareceu-me diferente. Foi então que me dei conta de que nunca mais sentirei aquele velho e inigualável sabor do doce de marmelo que minha querida mãe fazia especialmente para mim...