Bar Estação

 

O trem nosso de cada dia levou-me todas às tardes para escola.

O apito ouvido das nossas casas aguçava a sede do saber e o desejo de viver.

Despertava a gostosa aventura diária.

O trem vindo, correndo, correndo a acariciar os trilhos;

Vamos seu maquinista, solte o pássaro.

Lá vem ele. Piui... piui.... piui, quadro esplêndido da ruralidade.

Assim a cerração acordava os estudantes.

Aço plácido, baú, senhor do meu destino.

Eu olhava a cidade com seus grandes olhos

A contemplar as plantações.

Quando ele parava em Torrinha eram os meus a contemplar os seus.

Dentro dele o mundo, o futuro, o momento.

Para se estudar era preciso sair à tardinha de um interior para outro,

de Torrinha para Jau.

Isso proporcionava-me um êxtase constante.

Os estudantes e as trilhas, soltos pela madrugada a fazer história que deram livros.

Lá íamos nós ao caminho do progresso de Torrinha.

Fomos com Maria................

Maria igual a outras Marias entre tantas marias,

Entre tantas mulheres transformadoras,

Maria que acordava Torrinha com seus livros, a lutar em busca do conhecimento.

Maria filha da terra, Maria orgulho,

Maria guerreira, Maria verdade, Marias.

Quantas Marias existem em Torrinha?

Oh! Maria! desbravaste o mundo e voltaste doutora.

O trem seguia assim o seu caminho fazendo destinos,

Levando-nos em seus vagões todos os dias.

Deslumbrava-me com as paisagens:

Grandes cafezais, belas chácaras e cachoeiras.

Cabia o apito que de longe se ouvia,

Na palma dos matagais, no alto da pedra;

Cabia à vontade de crescer para Torrinha.

No horizonte que se perdia, perdi meu coração.

Perdi-me dentro das minhas cratéras.

Dentro do trem se ouvia o aviso do funcionário:Torrinha, Torrinha, Jaú, Jaú,

Quem vai descer em Bauru?

Tanta beleza e infindo prazer.

Eu sentia o gosto da aventura arrepiar os poros.

Da cidade de interior vivenciei o que nunca sentirá na minha cidade natal.

Ah!doce saudade da vida dentro do voador...

O menino da cadeira do lado paquerava alguém, moças cochichando, rapazes namorando.

Vim de Recife para São Paulo lá nunca andara de trem com tanta familiaridade.

Em Torrinha o encontro dos jovens era mágico.

Colada aos meus livros caminhava obedecendo o apito.

De Torrinha pra Jaú viajava aos quatro ventos.

Eu, meu amorzinho e o cobertor.

Voltava às quatro horas cantarolando na praça nas primeiras horas da aurora.

Praça de memórias, de histórias;

Com seus bancos personalizados,

Bom mesmo era encontrar sobre a mesa coisas boas da terra feito pela minha sogra.

Como: balas, pipocas, tortas, leite de garrafa que o leiteiro deixava na porta.

O trem não tinha presa nas idas e vindas das horas.

Na estação eu esperava, mais uma vez, mais um dia,

Nas idas e vindas do trem nas idas e vindas de alguém,

Nas idas e vindas de agora.

A emoção que de mim partia, partia o coração de alguém.

O trem,

A estação,

A parada,

A partida,

A velocidade,

Os olhares,

Os sorrisos,

Os encontros,

O clube,

A igreja.

Todo dia a igreja anunciava:

Seus batizados,

Seus nascimentos, seus casamentos,

Seus mortos....

Eu em casa no café da manhã ouvia o chamado da igreja.

Nos anos setenta estávamos envolvidos

Entre Chico Buarque, Gil e Caetano.

Bilhetinhos caminhavam de mão em mão.

Casos, descarrilhos, desencontros,

Fim dos trilhos, fim de estradas.

Um dia foi o fim da linha: despedi-me de Torrimha e do trem, contra a minha vontade.

Mais tarde quando voltei à Torrinha, constatei o silêncio do apito,

A falta do rangido que lambiam os trilhos.

Estação, trilhos desdentados, tempo passado.

Hoje é um ponto de encontro, um dancy para entretenimento.

Não mais encontro para ir à faculdade, mobilidade diversificada, lembranças,

Do trem que cortava os interiores,

fotografando as vidas; restou saudade.

De tempo em tempo um trem passa,

O ruído do trem entra em colapso com o ritmo do dancy quebrando os paralelos das luzes.

No túnel do tempo as linhas cruzadas dos trilhos são hoje cruzamento das gerações entre o rural e o urbano.