João Batista

O meu nome é João Batista; João porque meu avô também o era. Batista numa homenagem bíblica. Meu pai não era João não, era José. E minha mãe, linda mesmo, era Maria. Sendo meu pai e minha mãe José e Maria, eu não sou Jesus porque minha graça é João Batista.

Pão mesmo eu não gosto, mas adoro uma bebida. Mau é que tudo que eu bebo sobe logo muito rápido pra cabeça. Aí dou de cantar na rua, de gritar na porta da casa dos outros e reclamar dos vizinhos.

É que quando eu bebo me vem um ar de poeta, um toque de música, uma substância, um Q diferente, uma garganta de político. É que no fundo fica muito mais fácil andar assim na rua; mais fácil porque a gente disfarça os tropeços na bebedeira, aí nem parece que a rua que anda largada, que é o meu sapato que tá furado, que sou eu que não tenho carro, que é a minha calça que tá desabotoada. Nem parece que falta comida, afinal a bebedeira dá aquele acesso de vômito, parece até que eu to esbanjando mesmo. Nem falta casa pra ninguém, eu mesmo hoje já entrei em umas três, to indo pra quarta e, olha, posso jurar que eram todas minhas. Assim eu tenho condições até de ter cachorro ou ele de ter dono. E ruim mesmo é ter que acordar bem no outro dia e ver que tirando a patroa, o cachorro e os buracos da rua, do sapato, da calçada, do bolso, da carteira, tirando também o vômito, os tropeços e, ah, claro, as várias casas... todo o resto foi só bebedeira; chato é que tirando esses pequenos detalhes não sobra quase nada de bom pra fazer valer um dia sóbrio.