Varal de sorrisos

Há muito deixei sorrisos secando nas janelas por onde passei, nem sei ao certo se de volta recebi algum aceno ou se em alguma curva deixei de ouvir versos adocicados ou discursos desaforados.

Não sei se ensaiei os gestos nos esquadros das palavras não me lembro mais dos improvisos que amontoei sem cuidado.

Tudo que sei é que ando na mesma trilha de sempre, a mochila é a mesma e os farrapos que me cobrem ainda tem um resto de perfume.

Já percorri vales e agremiações da mesma forma que falei nos púlpitos e porões, e sou a mesma caricatura que sempre fui para mostrar o riso frouxo que mora no meu espírito eternamente criança. Se engana quem pensa que hei de envelhecer, jamais! Rasgo calendários e mesmo me assumindo encarquilhada defronte a qualquer espelho deixo escapar o aroma suave das manhãs de preguiça que se contrastam em mim, com a assinatura firme de segunda a segunda.

Alguém um dia recolheu na varanda do tempo, meus dentes ainda alvos cheirando a dentifrício de menta e se encantou com o oval do meu sorriso descompromissado; seria essa a minha grande marca se não expusesse meu olhos amendoados no olho mágico de onde tudo se pode ver. Mas quem sabe se a mesma íris que reteve a gargalhada entre lágrimas conhece-se de frente?

Parece lúdico passear por entre as horas todo o tempo fazendo caretas, mas é insano amarrar os lábios orvalhados, nublar os olhos brilhantes para levar nas costas embrulhados até que sobrem espaços suficientemente lúcidos para reconhecê-los.

Assim se voltar as páginas e tiver que repaginar alguma coisa, certamente não serão os sorrisos, talvez sejam esses os únicos e verdadeiros afetos que deixei.

Angélica Teresa Faiz Almstadter
Enviado por Angélica Teresa Faiz Almstadter em 24/04/2006
Reeditado em 25/04/2006
Código do texto: T144538
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