O Jardineiro Exilado



      Exilado pelo testemunho de seus passos, fincados em páginas de areia, o jardineiro vislumbra o rosicler adiante no horizonte intocável. O vento varre suas memórias e trazem sonhos, que revoam em círculos, como folhas secas bailando em torno do nada. Não existem mais anjos que façam a distinção da dádiva da maldade, nem demônios que sussurram em seus ouvidos que a inocência era apenas uma escolha para que seus olhos permanecessem fechados. Ele podia olhar para trás, sem o risco de tornar-se um monumento de sal em meio a todo aquele manto amarelado de grãos de solidão.

     Na verdade, a solidão do deserto era sua maior companhia. A solidão era sua companheira mais fiel; ainda que ela se fosse, ocasionalmente, olhava-o em sua alma mostrando sua melhor face e o jardineiro podia sorrir por ébrios encantos. Quando retornava, a solidão voltava pura, intocada, fiel e terna companheira. Mas ela não estava ali no deserto. Era a essência da solidão aquele pano de fundo de sua caminhada.

     Ao fim da tarde, a memória de seu jardim vazio, há muito deixado para trás. A memória de sua rosa. Do espinho que provara seu sangue durante uma carícia ousada. A rosa apenas lhe dissera que a amizade era tudo o que podia oferecer-lhe, como se fosse um vintém de moeda sem valor diante de uma oferta sem preço; como se o amor não pudesse ser regado no carinho, no olhar, na dedicação de um bem-querer...

     A oferta do olhar e o amor silencioso do jardineiro na contemplação do carinho de quem admira o céu, as nuvens, o nascer e o por do sol custava apenas um vintém. Talvez as rosas não saibam. Talvez rosas apenas exalam... E o jardineiro se foi, com seu vintém incrustado dentro do coração para o deserto em busca de sua companheira mais fiel. De sua rosa, nunca mais ouvira falar, só a fragrância no sonho e o som do seu silêncio quando a chuva abençoava o jardim diante de seu olhar. Olhar de jardineiro que descobriu, em seu cultivo, que amizade é o que se dá quando a não existência olha para os olhos ternos do carinho.




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Ronaldo Honorio
Enviado por Ronaldo Honorio em 03/05/2009
Reeditado em 23/11/2018
Código do texto: T1573357
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