GUARDADOS QUE VIVEM

Ao ser inquirida sobre a obra de Paulo Coelho, a velha escritora dissera que algum valor devia ter, por ter sido tão lida, publicada em tantas línguas, estimulado a leitura num mundo movido a imagens televisivas onde quase ninguém mais lê, por preguiça ou falta de estímulo.

Por que ler? O que diz o livro mais lido? Qual o seu valor? O que diz o livro nunca lido?

Ao ser inquirida sobre Deus e as religiões, ela se disse atéia, por não conceber que alguém sobrevivesse à morte ou que alguma prece pudesse resolver os seus problemas.

Pensei em Shakespeare e nos personagens que lhe sobreviveram; na criação artística, que sobrevive ao tempo; no pensamento ou no personagem criado, que sobrevive ao criador.

Há certos escritos que eu não leio mais, não servem mais. Sou capaz de reler Hermann Hesse ou Monteiro Lobato, coisas da adolescência e de sempre. Eu não releria os Capitães da Areia, embora seja grato àquela obra que me ajudou a criar gosto pela leitura; como os poemas do Bandeira, Saint-Exupéry, Huberto Rohden, o primeiro livro da infância – Memórias de um Burro da Condessa de Séguir -.Jamais me esqueci de Aydée, minha amiguinha que me presenteou com aquele livrinho mágico da condessa naquele inesquecível aniversário de oito anos.

Sigo os conselhos de Borges: a leitura deve ser uma forma de felicidade.

Noutro dia li um poema de Antônio Cícero, que explica muito bem o lance do poema e de tudo quanto se lê ou se escreve. “Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la... é fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela.”

Guardar um escrito, um poema é lê-lo, relê-lo, cantá-lo em voz alta.

E conclui o poeta:

“Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declara e se declama um poema:

Para guardá-lo:

Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:

Guarde o que quer que guarda um poema:

Por isso o lance do poema:

Por guardar-se o que se quer guardar”.

Enquanto isto, como a velha escritora, compreendo que o que vale, por agora, é uma consciência ativa e tranqüila. Peço então a Deus que me ilumine na criação do personagem, mas não oro, porque quando peço a Deus, peço a mim mesmo. E se minha consciência responde, eu continuo.

A leitura deve ser nestes tempos o nosso jeito de navegação. Que as forças universais nos façam rir, façam ler, escrever. Sejamos gratos por fazê-lo para podermos, à frente, como o tempo, ser iluminados na noite sombria.

Extraído do livro Gardados que Vivem

Nagib Anderáos Neto

Extraído do Livro “Guardados que Vivem”

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