Meu coração

Procuro, por toda parte, algo que não posso definir. É uma estranha sensação, a ânsia da descoberta daquilo que pode fazer descansar minha alma. A fonte de luz e calor que meu corpo todo clama e que saciará o meu espírito. E a noite já começa a ser anunciada, colorindo o céu de um vermelho que irradia o calor que ainda me ruboriza as faces e me faz sentir a vida pulsar, dando-me a consciência do mundo a minha volta.

Um silêncio profundo me envolve e me faz refletir... E é bom saber que muito tenho a aprender. É bom ter a consciência de que nada está em minhas mãos e que posso andar tranqüila, guiada por meu pensamento, a espreita do que chegará. Não importa quando, não importa onde... Apenas a certeza da continuidade.

E nestas reflexões, enfrento o medo de sair e deixar para trás a posição de guardiã de fatos, locais e pessoas, como se pudesse controlar e dar destino a tudo que me cerca. E este temor, que me apavora, se transforma na confiança no Criador. E a entrega se paz no coração.

E vou em frente, pensando neste coração que toma diferentes naturezas. Coração de mãe que sofre, chora, ri e se emociona. Abrigo que se tornou, abrindo-se de par em par, num simples gesto, num simples aceno, colorindo o mundo de esperança só para fazer feliz o objeto amado. Rostos felizes, que não se confundem jamais, olhos que me fitam e que me fazem sentir a mágica força do amor.

Coração de mãe que me faz ter medo, mas que me faz ser forte. Uma fraqueza imensa me faz sofrer, revirando o mundo por descobrir, mundo de amor que meus sonhos constróem e colocam nas mãos de meus filhos. Neste momento também encontro a Deus. Só Ele pode, só Ele faz, só Ele me traz o presente que quero dar.

Coração de filha, fitando, amarga, a imagem da mãe já idosa. Olhos meus que negam a dura realidade da avançada idade. Olhos acinzentados, passos incertos, esperança abalada pelos longos anos. Uma profunda angústia toma conta de todo o meu ser. Mais uma vez meu Deus se apresenta me estendendo a mão, trazendo-me para seu abraço. Posso sentir minhas lágrimas, a molhar o manto sagrado que me aquece o corpo estremecido pela dor. Mas não importa, mesmo assim, Ele está ali e seus olhos me envolvem e vão acalmando todos os sentimentos que me fazem sofrer.

Coração de irmã, atrás dos anos perdidos na longa caminhada. Não quer esquecer, não pode esquecer. É como um abrigo que está sempre à espera do meu retomo, quando, cansada de experimentar o momento presente, apareço tranqüila, porque sei que ali, bem ali, estão minhas raízes que jamais se extinguirão. Meu olhar então brinca, deslocando-se de um para outro, reconhecendo os gestos, os traços e as reações, que me fazem sentir a velha intimidade que às vezes insiste em se distanciar.

Coração saudoso daqueles que já se foram, deixando-me o gosto amargo de um vazio que me maltrata. Meu pai, olhos azuis a me envolver, passo forte e decidido, não envelheceu. Foi embora muito antes que eu pudesse prever. Velha saudade que me faz chorar, mas que traz a presença de sua imagem protetora e amiga, séria, muita séria, mas jamais me deixava insegura. Foi-se antes que os anos pudessem fazê-lo fraco e indefeso. Foi-se com a coragem que emoldurou toda sua vida. Sei que hoje, pensando nele, posso ser feliz porque amou, amou muito e soube ser pai, soube ser irmão de todos. Mas uma vez meu Deus se apresenta para me transmitir a confiança de que está com ele.

Coração ansioso, ainda procura... Procura a paz, alegria inexplicável da descoberta. Ser feliz embora... Sim, é este o grande milagre da vida.