comoção

essa sensação imprevisível de descontentamento continua a me perseguir. embora eu tente, um após o outro, subterfúgios para me livrar desse tédio que se abastece de mim, minha calma dura uns poucos dias ou horas, quando muito. e logo depois volta a se instalar essa sensação de desespero perante a trilha do mundo e das pessoas. novamente desejo ficar recluso, quero escrever e quero um álcool forte que aplaque um querer irrevogável e intangível, ou fugir no primeiro avião rumo a algum exílio sem um motivo significativo aparente. toda vez que me aventuro em eventos, em lugares onde estão bem à vontade conhecidos, parentes, amigos, pessoas, o desconforto se aboleta num momento inoportuno, quando todos, já bem integrados e curtidos, brindam alegres. à vida! neste ponto é que sempre emplaco uma deixa e saio pela tangente. todos acreditam em minhas boas intenções. aí a desreferencialização me joga do outro lado da cidade e quando as luzes se apagam, estou novamente no mundo real.

não sei se perdi as rimas por conta da falta de jeito ou da falta de sorte. sei que algozes moram bem perto, se é que existem de fato na figura humana. experimento um corte psicanalítico e embarco nas esquivas metafóricas do que sou, do que era, do que quero, do que acho que quero, do que perdi, do que supostamente tenho. e não sei. mas gosto da possibilidade dum momento aceso que traga pistas, os tais caminhos que não são especificamente respostas, mas são como luzes pontilhando o interior dos vales quando se busca uma cidade distante por menor que seja.

obliteram-se os anos, oblitera-se a inocência, obliteram-se as varandas. sigo vendendo minha alma bem baratinho. como um hóspede soturno que não queria ter que chegar a certo paradeiro, vou deixando minhas malas pelo canto e me acomodando em rotas fronhas. rezo para chegar logo amanhã, amanhã, amanhã... não quero, planejo fugas, mas como um bandido confesso fujão, os algozes sempre me apanham e me jogam de volta na masmorra. a cada fuga vou oferecendo menos resistência, a cada ingresso as paredes sobem menos medonhas. as esquinas que nunca chegam, doçura que nunca é suficiente para temperar o café amargo do cotidiano.

nós, bandidos, seguimos sorvendo todo o amargo como se fosse o único sabor. a vida tornou-se, enfim, um caminho desvelado no qual as pedras já não são obstáculos, são a única trilha possível.

Jan Morais
Enviado por Jan Morais em 26/08/2009
Código do texto: T1775977
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