Encontressência

Wilson Correia*

Tinha o intrigante hábito de deixar à larga o conjunto de fotografias. Aqui avós, raízes de sangue e bravura no mundo. Ali os pais, plugaram-me na tomada da existência. Esses irmãos espalham-se mundo afora feito fios do rizoma. Trazem coisas de mim, ainda que apartados. Não mais que isso!

Esta é ela, em quem meu masculino mascufeminilinizou-se para que o feminino dela fêminimasculinizasse no curriculum vitae. Máscufêmine somos dois, mas saídos de nós para esse terceiro que nos seqüestra a um quase distinto. Inextricáveis, somos e não somos o que realmente nos damos ao olhar: o um no outro impede a idiotia, a mediocridade de meias vidas e de meios viveres.

Asa de uma, pés do outro. A cegueira socorrida pela luz que ela projeta. Desequilíbrios contínuos em incessante equilibração. Mas, cá entre nós, como seria fúnebre essa vida se o de sempre particular de nós fosse nosso feijão-com-arroz? O bom dessa encontressência é saber que o que vale está em franca construção.

A fotografia viva, em movimento, dinâmica, em fluxo, sendo no vir-a-ser... só essa visada paga o gole, só essa mirada traz o pão. Essa, aliás, a imagem que só se deixa captar pelo pensentir: único lugar onde o sentido se aloja e faz valer os segundos, minutos, horas, anos e dias.

Quer saber de uma coisa? A vida mesma não se deixa fotografar. Ela só sabe disto: acontecer!

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009.