Se eu pudesse falar com Deus...

Cresci com a idéia da presença de Deus. Mas um Deus, distante que estaria me olhando em todos os momentos. Não sei bem, mas este pensamento me fazia sentir um tanto fiscalizada. Nunca fui uma criança agitada. Acho até que o dinamismo veio com a idade adulta. E por causa desta minha tranqüilidade aparente, gostava de olhar o céu.

O céu... Era lá que Ele morava. Como seria Ele? As estrelas lá longe me traziam a certeza da moradia de nosso Autor. Alguém assim, tão superior, tão cheio de poder, tão autoritário, só poderia mesmo habitar uma imensidão tão linda, que varia de cor, mas nunca diminui o brilho de seu aspecto.

E em meus pensamentos juvenis, eu ia me afastando cada vez mais Dele. Era tão inatingível! É verdade que havia sempre a meu lado, sua mãe. E, com esta eu me sentia íntima. Contava-lhe sempre minhas alegrias e tristezas. E nunca ficava sem resposta. Mas, em meu sentimento de filha, eu me percebia carente. Onde estaria este Deus que dizem ser nosso Pai? Ah, se eu pudesse falar com Deus...

E esta frase me acompanhou por tanto tempo! Busquei respostas de minhas indagações em tudo e em todos. Mas nada me satisfazia. E ia eu levando minha vida, as obrigações tomando conta da maior parte de meu tempo, os sonhos me impulsionando para desafios, realizações e frustrações.

Até que pouco a pouco algo foi mudando lá dentro de minha alma e a mesma frase aflorava e me fazia inquieta: Se eu pudesse falar com Deus! Se eu pudesse lhe dizer de minha saudade! E isto me soava estranho. Saudade! Mas será que um dia estive face a face com Ele? Como sentir saudade? Mas era assim que Deus. pouco a pouco me tocou, de mansinho, contato quase físico, mas de um realismo muito mais profundo.

E ficava eu imaginando, se pudesse tocá-Lo, colocar os olhos em sua face, mexer em seus cabelos, aconchegar-me em seus ombros fortes e protetores. O interessante de tudo o que vinha a minha imaginação é que, quanto mais pensava, mais isto se tornava real. Olhava a minha volta, as pessoas agindo freneticamente, como se tivessem medo de perder o compasso da vida. E eu ali... Inerte, mas concluía que aquela situação era a mais importante de minha vida. Estava quase chegando lá. Chegando perto de Deus. E que falaria com Ele?

Se eu pudesse falar com Deus! Mas a oportunidade era real! Precisava saber o que iria Lhe dizer! Meus pensamentos se confundiam numa velocidade alucinante. O diálogo, o grande diálogo de minha vida, o grande desejo infantil estava para se realizar. Sentia sua proximidade, percebia a premência de organizar o seu teor.

Se eu pudesse falar com Deus...

Falaria da violência do mundo do qual era Ele o Autor. Pedir-lhe-ia para que não fosse possível que pessoas machucassem pessoas.

Falaria das criancinhas pelas ruas, situação que tanto magoava meu coração! Pediria que lhes desse carinho e atenção. Elas precisam tanto do calor humano, do alimento do corpo e da alma, de pais que lhe protejam e de uma sociedade mais justa.

Falaria das pessoas doentes, física, mental ou espiritualmente. Elas necessitam de compreensão e de que o mundo lhes reserve o seu justo e merecido lugar. Que eles possam transitar livremente e que suas deficiências não sejam empecilhos para viver dignamente.

Falaria do preconceito existente na sociedade. Que todos pudessem desfrutar sua essência em toda plenitude, sem medo de julgamentos. Quem de nós pode julgar? E que poder é este que toma conta do corações humanos, não lhes permitindo compreender as diversidades?

Falaria dos idosos abandonados, aqueles que não têm onde descansar seu corpo fatigado pelo tempo e trabalho. Que eles pudessem nos transmitir toda a experiência acumulada e que esta fosse bem recebida por aqueles que estão em pleno exercício do trabalho e em cujas mãos passam tantas decisões.

Falaria das pessoas que carregam culpas que lhe castigam a vida e que tornam seus dias tão amargos!

Pediria uma bênção para todo o mundo, que todos fossem contemplados com Seu Amor de Pai, que compreendam Sua misericórdia e sua vontade de ver a felicidade nos olhos de suas criaturas.

Falaria dos governos instaurados em nossos países, para que estas autoridades tomassem consciência que poder também é presente de Deus e em Seu Nome deve ser exercido, promovendo o bem geral e não discriminando ninguém. Que todos os governantes pudessem compreender que o alimento existe para todos, mas que a ganância pode exterminar esta fartura.

Pronto! Acho que posso conversar com Deus! Neste exato momento, percebi que estava numa Igreja, diante de um altar, prestes a receber o Pão Eucarístico e que tudo havia sido ouvido por Cristo. Ou será que foi Ele que me disse isto? Já não sei mais. Mas compreendo Sua mensagem. Ele também tem o mesmo desejo, almeja realizar este mundo perfeito, mas será que nós queremos realmente colaborar?