Quando o amor se vai

Vida, como te falar de amor sem repetir ditos e reditos por todos que viveram essa mágica que consiste em se doar à amada de tal forma que se imagina que a plena felicidade existe e que dela se toma parte?

Poetas e Cantadores. Sábios e humildes. Tudo falaram, mas nenhum pôde atingir a buscada representação desse estado d'alma em que o Mundo e a Vida tornam-se belos, desejados. E de maneira que até os paradoxos perdem a estranheza que deveriam ter. Tudo é permitido, pois o momento assim exige. Têm-se, então, o arrojo dos furacões no desejar e a leveza da brisa no momento de apenas estar. Tempos em que o próprio singular é constituído por dois. Época em que a plena felicidade convive com o medo de que toda essa grandeza possa terminar. Pavor de magoar, de decepcionar, de desiludir. Dias de certezas inabaláveis e de incertezas infundadas. Insensatez versus Razão. Sentimento versus Pensamento. Saudade e chegada. Choro e riso ... vida. Vida que de repente se teve. Vida em que se soube menos só. Vida, que de fato se viveu. E nesse carrossel de sensações, de sentimentos, cada vez mais a amada ocupa o centro do Mundo. O centro de tudo. A vida é ela.

Mas, certo dia, ela se vai e o carrossel que em seu movimento alternava a felicidade e a dor, pára bruscamente nessa última. É, então, que se pergunta que anjo mal é esse que apaga as cores do Mundo? Que gênio malévolo fez-me cometer o erro que a levou? Que maldito momento foi aquele em que se desfez o encanto? Por que não consegui vislumbrar que a armadilha do destino (armada por alguém de mau destino) afastaria minha amada? E com ela a única felicidade real que vivi.

Agora, Vida, que as lágrimas já não existem porque a dor lhes secou, sem que diminuísse, eu posso compreender o quanto minha estúpida ingenuidade me custou. Que bisonho eu fui ao aceitar a provocação que me foi feita. Por que (não consigo deixar de me questionar) não atentei que muito mais que te proteger de um provável insulto, eu deveria ter ficado ao teu lado para que juntos o repelíssemos com mais vigor? Por que, Cristo meu? Donde me veio essa vergonha indevida? Justo entre nós, que primeiro nos apaixonamos pelas almas e só depois pelos corpos? Por que, meu Deus, esse chauvinismo anacrônico? Tolo? Descabido?

Olho, minha Vida, e vejo que o Mundo que antes me envolvia, agora me oprime. Vejo que adentrei um longo e escuro túnel; e que nem sei se quero dele sair. Em uma poesia eu disse "não penso em suicídio, filho, porque de morte já tenho o bastante" e, efetivamente, é assim que me sinto: morto em meio a um viver que já não desejo.

Quando chega a noite e o silêncio no telefone reafirma tua ausência, ou quando o T. me diz "nossa pai! E agora?" eu sinto que a escuridão me envolve completamente e nem sei se conseguirei suportar essa angústia, esse vazio, essa solidão.

Mas são esses os tristes companheiros que coabitam meus dias. Com eles vivo essa saudade infinda. E deles só escapo por poucos momentos quando tento imaginar o que eu poderia fazer para que tu voltasses. Que juras eu deveria dizer, que atitudes deveria tomar? Não sei.

Sei, no entanto, que tu és a única e que tudo faria para que nunca mais sombra alguma pudesse escurecer a luz que partilhávamos.

Para você, Vida, entreguei-me completamente e, talvez, o erro que cometi tenha sido ocasionado por esse desejo de te proteger das rudezas das pessoas. De te envolver de forma que a fealdade do Mundo não pudesse te atingir. Que delírio ... Agora eu o sei ... Errei. Por excesso de ingenuidade, por falta de malícia, por zelo extremo, por vergonha de lhe mostrar coisas horrendas que já vivi. Errei por amor.

Porém, nada diminui o tamanho do meu engano, quiçá a boa intenção que o gerou possa atenuá-lo, mas não reduzi-lo. Errei. E se é fato que não posso mudar o Passado, também é certo que dele eu absorva essa amarga lição e possa ter a segurança de afirmar que não o repetirei no Futuro.

Saiba, minha Vida, que a dor que estou sentindo é uma mestra muito eficiente e está sendo capaz de me mostrar que para viver um Grande amor é preciso ter o cuidado de quem cultiva uma rosa. Há que se ter, sempre, o cuidado de tudo fazer para que o perfume da flor e da vida não se perca entre as cruezas desse rude Mundo em que os canteiros desaparecem cada vez mais.

Por isso, Vida, é que eu quero te pedir perdão. E te peço que me deixe mostrar-te que apreendi a lição de que somos especiais porque temos essa capacidade de amar e abençoados por termos encontrado nossas metades. Não desperdicemos essa dádiva que nos foi concedida e que, creio, fizemos por merecer. Aprendi, Vida, que tenho limitações e, mais importante, capacidade de fazer com que as mesmas nunca mais perturbem esse sonho que sonhamos juntos.

Volte para casa, minha esposa adorada, minha mulher amada. Não diga nada, apenas recoste-se em meu peito e me deixe, novamente, sonhar os teus sonhos.

Saudade. Um beijo.

Para Lilian