Acontecência (8) – Cada dia com sua surpresa
 
Lendo o conto de Vany Grizante sobre acontecimentos sonhados, mas que dia após dia são  adiados, nunca acontecendo,  fiquei pensando na importância que tem a esperança de que alguma coisa aconteça de novo, a cada dia. Mas fiquei pensando que não se deve ter uma expectativa definida porque se o esperado não acontece vai ficando difícil manter essa expectativa e a vida acaba se tornando amarga. Pensei que o bom, o que trás sortilégio a vida, é procurar o encanto de cada dia, a surpresa que cada dia nos reserva. E foi isso que aconteceu esta noite.
 
Um evento. Uma acontecência. Acontecências podem ser acontecimentos esperados,  mas que trazem uma carga de inesperado. Marcos Assumpção passou por aqui. Seria uma noite agradável – ele cantaria Florbela Espanca: os versos dela, a sua música. Quem é Florbela Espanca? Quem é Marcos Assumpção? Seria mais um evento, apenas isso.
 
Mas o que eu não contava era com a paixão. E foi essa paixão que se tornou a grande acontecência do dia. O inesperado.
 
Marcos é um homem bonito. É bom vê-lo no palco. Marcos tem uma voz linda. É ótimo ouvi-lo, cantando e tocando. Marcos é talentoso: sua música é a moldura perfeita para os versos tristes de Florbela. Marcos sabe-se comunicar – ele conversa com a platéia como se estivesse na sala de nossa casa. Mas, o que faz a diferença, o que tornou a noite especial, foi o fio que ligou todos esses elementos;presença, beleza, simpatia, boa voz, talento estavam ligados pela paixão. Foi a paixão que fez a diferença. A paixão por Florbela através de sua história e seus poemas. E todos que estavam ali saíram envolvidos por esse encantamento. Magia pura. Estaria Florbela ali preenchendo todos os espaços vazios e sentindo que valeu a pena ter vivido?Não sei. O que sei é que nunca mais lerei um verso de Florbela sem sentir um encantamento especial e me lembrar dessa noite.
 
 
Errante
 
 
Meu coração da cor dos rubros vinhos
Rasga a mortalha do meu peito brando
E vai fugindo, e tonto vai andando
A perder-se nas brumas dos caminhos.
 
Meu coração audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta,
Vai procurar o Paço da Ventura...
 
Meu coração não chega lá decerto...
Não conhece o caminho nem o trilho,
Nem há memória desse sítio incerto.
 
Eu tecerei uns sonhos irreais...
Como essa mãe que viu partir o filho,
Como esse filho que não voltou mais
 
(Floberla Espanca - musicado por Marcos Assunção/Fado)
 
(Para ler mais a respeito e ver outras fotos
http://molimpia.blogspot.com