metrô

Estou aqui rumo a Ipanema. Meu coração almeja direção oposta. Mesmo sabendo que a estrada precisa seguir para o sul, instintivamente o desejo me guia para o lado suicida do norte. Acontecimentos sucessivos me transferem para uma realidade provavelmente ilusória. Mesmo sabendo, racional, das intenções do presente e das possibilidades presentes, ainda um lastro de ansiedade pueril me empurra para o passado. Quero, não quero. Espero, mas não espero. E tudo mais do "soul" que me resta ainda é uma criança, com tanta inocência velada, com tanta violência alada. Depois, tudo fica exposto num encontro, num último gole, com tanta displicência vesga, irrequieta e besta que me põe num lugar confortavelmente caricato. Não sei se no meu interno vou a teu encontro enquanto voo ao outro encontro. Sei, ficou para trás algo mais que me transformará num palhaço anunciado pelos próximos dias. Tudo aquilo que vivi naquele apartamento, dentro dos livros incólumes na estante, nas visagens não vistas a olho são. As idiotas passagens de sonhos. As idiossincrasias não confirmadas quando num momento de sobriedade. Sinto o peso de um assassino matando a última criança teimosa que sobrevive no meio da neve que tomou conta de uma expectativa. Um crime frio e necessário, porém. Mas não tão bárbaro quanto possa parecer. Como matar essa infância risonha que teima em existir em meio aos escombros tétricos do que hoje sou? Quantas vidas ainda por viver sem esse que me roubou a fantasia, essa última fantasia livre dos rodeios rococós da experiência. Nunca mais ceninhas das febres causadoras do ciúme, nunca mais um ser lítico envolto em névoa de eternidade. Só a certeza de que os dias me devorarão lentamente, conscientemente e sem tristeza alguma.

Jan Morais
Enviado por Jan Morais em 20/08/2010
Código do texto: T2448355
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