UMA CARTA PARA MIM
Odir, de passagem

       Acordam-me o trino de um canário belga e dos bem-te-vis encopados nos coqueiros que falam as vozes dos ventos de volta do mar.
       Abro a janela e me eternizo na contemplação do verde das ondas acenantes a despertar lembranças longevas e aconselhar recomeços. Emoções contidas turbilhonam os momentos e me sugerem pensamentos vários. A vida, vista da janela de meu quarto, é verde , vaga, virgem, voluteante e cheia de sol. Apesar do sombreamento das paredes que de mim se acercam, apesar do cerco da minha solitude, intimamente silenciosa.
        Volto ao real pela voz da vida, que me convoca para novas vivências na brancura longínqua da praia deserta, coberta de luz. O mar me extasia. De repente, dele sou parte e parto para a entrega corporal, em movimentos mais ou menos mansos dos meus braços - que se desenlaçam enquanto flutuo em seus braços revessos sob as águas reversas de suas voluminosas vagas.
        De volta ao raso, arrasto farrapos de sombras de abraços e procuro na areia os meus passos da vinda. A procura se finda num branco sem marcas por onde eu passei. Onde estão as marcas de meus pés? Quem apagou, do chão, a minha história? Onde a memória do tempo, nos caminhos por onde vim? A areia e o momento, lufadas de tempo no vento, e o pó!
        Volvo a vista para o mar. Uma jangada, um nonada de pano empanado de vento, leva os meus pensamentos à procura do amor. E eis-me barco à deriva, sem remos, sem proa, preso às toas de outro barco que me arrasta para o que resta de mim.
        Sonho sanhas, tempestades, choro o pranto da saudade, estupro as minhas vontades, aborto a minha revolta e acordo a volta ao terraço, onde afasto o meu cansaço e me entrego, corpo e mente, aos balanços de uma rede, à ida e volta pra lugar nenhum:


IDA E VOLTA

O meu desejo de ir,
o medo, a ânsia da volta.
Passos prestos a sair,
pé do chão que não se solta.
Desejos de mais espaços,
temores do imprevisível.
Primazia dos cansaços
na descrença do possível!

Vontade de vôo cego,
concretude planejada.
A vivência que trafego,
ante a vidência do nada.
A fluência de fugir,
o mar armando a revolta.
O meu desejo de ir,
o medo, a ânsia da volta!



oklima
Enviado por oklima em 12/09/2010
Reeditado em 15/09/2010
Código do texto: T2493996
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.