Translúcido

É provável que quando eu bater à porta alguém conhecido venha me

receber e o muito que pode haver será um olhar perguntador.

E nem que o espaço entre nós seja repleto de palavras não muito serenas,

saberemos nesse momento onde o fio da navalha nos levou.

Vai haver, eu sei, ranger de dentes e tantas desculpas mal vestidas que

ainda que a cegueira tenha sido providencial a vida toda; não haverá

como não vestir as culpas se diante do espelho a verdadeira face brilhará

vitrificada.

É provável também que os mesmos choros que alimentaram a minha partida,

atrás da porta, sejam de alegria e não obstante eu veja desta feita os olhos

da alma de quem verte a alegria do retorno, minha alma não refletirá meu

olhos.

Para alguns pode parecer cruel, para outros melancólico e até nefasto esse

olhar tridimensional, quanto a mim, garanto ser consolo vislumbrar o que se

esconde atrás da cortina da vida.

O relógio sem horas, contudo, marcando o ontem e o amanhã metodicamente,

sem pulos e sem sustos me dirá da certeza do tempo imortal; esse tempo que

não cabe nos frascos reluzentes, pois que perece quase sempre opaco, mas

que acordado depois de caídas as vendas, rebrilha como a luz atravessada

pelo translúcido da lágrima.

Não sabe, não viu e não conhece o colorido da essência da vida, quem não sente o arrepio na pele, quem não se olha de frente. Não pensa no amanhã como

resultado do hoje quem não cultiva carinho, quem não semeia amor.

Pela entrada proibida não só ecoam grunhidos, as mais belas melodias enredam

a alma dos passageiros do tempo.

Sei que me aproximo do horizonte pois os vendavais enrodilham-se no

meu caminho, conto os passos como se não fossem devidamente

calcados no chão e sei que o chaveiro barulhento que torço

nas mãos aflitas, me servirá de renovo na eternidade.

Angélica Teresa Faiz Almstadter
Enviado por Angélica Teresa Faiz Almstadter em 31/10/2006
Código do texto: T278865
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