Paz*
Heloneida Studart
Por mim, acho que só as mulheres podem
desarmar a sociedade, até porque elas
são desarmadas pela própria natureza:
nascem sem pênis, sem o poder fálico da
penetração e do estupro, tão bem representado
por pistolas, revólveres, flechas, espadas.
Ninguém lhes dá, na primeira infância,
um fuzil de plástico, como fazem com os
meninos, para fortalecer sua virilidade e violência.
As mulheres detestam sangue, até mesmo porque
têm que derramá-lo na menstruação ou no parto.
Odeiam as guerras, os exércitos regulares
ou as gangues urbanas, porque lhes tiram
os filhos de sua convivência e os colocam
na marginalidade, na insegurança e na violência.
É preciso voltar os olhos para a população
feminina como a grande articuladora da paz.
E para começar, queremos pregar o
o respeito ao corpo da mulher.
Respeito às suas pernas que têm varizes, porque
carregam latas d’água e trouxas de roupa.
Respeito aos seus seios que perderam a
firmeza porque amamentaram seus filhos
ao longo dos anos.
Respeito ao seu dorso que engrossou,
porque elas carregam o país nas costas.
São as mulheres que irão impor um adeus às
armas, quando forem ouvidas e valorizadas e
puderem fazer prevalecer a ternura de suas
mentes e a doçura de seus corações.
Nem toda feiticeira é corcunda.
Nem toda brasileira é só bunda.
Heloneida Studart”
...
A paz é machofêmea
Wilson Correia
A competitividade é o máximo veneno. Atravessa
o globo. Envolve nações, grupos, empresas,
poderes, forças diversas... Põe em lados
opostos colegas, amigos, familiares,
e, sobretudo, o homem e a mulher.
Vivem morrendo nessa falsa guerra.
Mas, no fundo, tudo tem a ver com tudo.
Todos têm a ver com todos. Daí a premissa
maior: em vez de apartar, dividir, segmentar e
ver o mundo com base nessa batida perspectiva
sexista o que precisamos fazer é nos unir, somar,
dar as mãos, até porque o inimigo da mulher
não é o homem, assim como o homem não deve ver
na mulher uma inimiga fundamental. Nosso inimigo
comum tem vários tentáculos: a economia, o modelo
societário, a política, sempre suja, a ideologia e
os questionáveis sistemas simbólico-culturais.
Dentro do homem e no interior da mulher
moram o feminino e o masculino. Entretanto,
historicamente, os papéis foram maniqueísticamente
rotulados, congelados, cristalizados e reduzidos a
uma ou outra característica de cada qual.
Ao macho sempre coube a razão, o poder, a luz do
espaço público e, principalmente, a árdua tarefa
de ser o provedor. A ele foi sistematicamente
negado o direito à sensibilidade. Quantas vezes,
ouvi tantas mulheres dizendo que homem não
chora, as mesmas que, pari passu, exigem que
o parceiro seja mais atencioso, amável e gentil?
À mulher restaram a emoção, a submissão, a sombra
doméstica do lar, e, acima de tudo, a indigna condição
de dependência do macho-provedor. Em nome disso, os
mais detestáveis golpes têm sido dados por mulheres
que se sujeitam à relação clientelista entre os sexos. Isso
fez com que ela perdesse a força para atuar no mundo
exterior, mas ela tem conseguido isso a duras penas.
Fissuradas pelo ter, algumas se prostituem ou banalizam
o poder de procriar, que, de outro lado, é poder de matar,
e até se valem cruelmente dos instrumentos abjetos que
a sociedade machocêntrica, proprietarista, branca
e racionalista instituiu para oprimir. Elas não se dão
conta de que são reprodutoras dessa sociedade
mal-sã, doentiamente estruturada e estabelecida.
Mas, macho e fêmea estão em cada um de nós. A guerra
dos sexos não interessa a ninguém. Nem todo homem é só
um pênis. Nem todo homem é só um bolso. O homem é muito
mais... Ele quer, pode e deve ir além de um papel social.
Que o respeitem, por favor, e lhe façam justiça,
sobretudo quanto à descompensação que
sofre do ponto de vista de sua vivência social. Em uma
guerra, o homem é o que morre primeiro, até sem saber
porque. Mas paremos com essa briguinha pequena.
Fôssemos ficar nos acusando mutuamente,
a guerra entre os sexos não poderia ter fim.
Não vale a pena! Melhor é juntar nossos cacos e inteirezas
e darmo-nos as mãos para enfrentarmos inimigos comuns.
Ouvi um dia que na luta entre onda e rechedo, o marisco
é que apanha. Somos mariscos, homem e mulher...
Além do mais, é bastante contraditório advogar a paz
mantendo a microguerra com aquela ou aquele que
deveríamos ter por companheiro e companheira, isto é,
com quem compartilhar e comer o mesmo pão.
Sim, vale criar, educar, formar o guerreiro e depois
defender, pleitear, preconizar e esperar pela paz?
O poder de estabelecer a paz não está apenas em mãos
femininas, como também não é uma exclusividade do
homem: iguais nas diferenças, a paz haverá de ser
fruto de nossas quatro mãos!
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*Texto recebido por e-mail.