Ameaça

Setembro de 2006

De Gurupá-cidade ao rio Pucuruí, fomos.

Época de Novembro de dois mil e quatro.

Éramos dez.

Missão: constatar a invasão de madeireiros

às terras do Projeto de Assentamento

Agroextrativista do Camutá do Pucuruí.

Oito horas do dia partimos da vila do Camutá.

“E bora que já tamo atrasado!”.

Remo, canoa, cachorro, espingarda, sardinha, farinha, conserva, GPS, máquina fotográfica, porronca, papel e caneta.

Continuemos a pé. Mas primeiro, merendemos.

Trins-trins rápidos de colher e pratos.

Vinte minutos de parada, vamos.

No início da trilha, um de nós sente a fisgada.

Jararaca.

“Tentô no primeiro, no segundo e foi pegá o oitavo, logo o peste que não tinha bota...”, sentencia Chico Neto.

Era o Cutaca a vítima, tão alegre, tão cheio de vontade pela caminhada e lá se vai de volta amuado para a sede do município.

“Muleque, volta com ele”, ordena Miro, o pé-de-vento de tanto correr atrás de bando de catitu.

Sai com a cara contrariada o filho.

Recomecemos, não se pode agora mais brincar com a mata.

E lá se vai o roçado do seu Afonso.

“Até mais, seu Afonso.”

Anda, anda, sede, sede.

Gruta.

Enchida a garrafa para prevenir.

Primeira demarcação estranha:

“De empresa, de fulano, de técnico, de caras

que querem ser dono dessa terra que já é nossa”.

“E aí Instituto de Terras?”

“E aí Instituto do Meio Ambiente?”

Três não nativos acompanhando os comunitários.

Eu, de enxerido.

Primeira placa, outro pique,

Cruz de aviso pregada em árvore.

“O que quer dizer isso?”

“Quer dizer que quem passa pode levá chumbo...”

Seguimos atentos.

Vimos o resto de acampamento dos invasores.

Marcas de abandono a pouco tempo.

Sobe ladeira, desce ladeira, tronco caído.

Pula-se. Égua do cansaço.

Igarapé São Paulo. Graças. Cinco da tarde.

Para os nativos fora-de-série, um passeio.

Para os fora-de-forma: “égua do cansaço!”.

Acampamento do seu Tonico. Ponto de pernoite.

Tapiri, lenha, fogo, rede, sardinha,

piada, mentira, colher, prato, fadiga, ronco.

Manha e manhã do outro dia.

Café à moda escoteira.

Necessidades feitas e “vamo embora”.

Oito horas.

Roçado da casa do Cutaca:

“Como deve di tá o homi?”.

É o Barrasco preocupado.

Estrada do igarapé Anapu, que liga um lote de madeira apreendida pelo Instituto do Meio Ambiente ao porto do Poraquê.

Pode-se varar daí até a Flona Caxiuanã pela estrada.

Coitada dela.

Anda, anda, sede, sede. Não tem gruta.

Recorre-se ao cipó maria-tetêca.

Pouco travosa em comparação ao coco do Buçú.

Pede-se ajuda para a pitombeira,

o jutaí-mirim, bons frutos.

Lote de madeira apreendida, já roubada em parte. Fotos e registro.

“Que gente cara-de-pau! Destruindo a casa da gente, o mato nosso, o tudo da gente”.

Casa de Barrasco. Almoço.

Sardinha, farinha, conserva.

Fim de missão. Tudo anotado e constatado.

Remada até a pequena serraria do seu Moisés.

“Até mais pessoal, até a minha vindura...”

Os três não nativos para o remo até o Timborana. Haja força no braço, igarapé-seco.

Cinco da tarde.

Estrada Timborana-Gurupá.

“Bora andando nessa porra?”.

“Bora!”.

E nove da noite, chega-se Gurupá.

Lascados, esgotados, inhaquentos, feridentos.

“Graças. Chegamos! Égua enorme de cansaço!”

Mas com o dever cumprido.

Não queríamos ser heróis.

Apenas cidadãos da Amazônia.