DORES DO MUNDO

Levantou-se sem alarde. Sentiu que a manhã corroía menos que o de costume. Ah, a velha faca encravada que teima em não matar. Pouco a pouco, a ferrugem se dissolvendo em seu sangue, trazendo à boca o sabor antigo e rançoso do que não foi. A vida.

Na capa do disco, a imagem de uma árvore frondosa em meio a um entardecer de inverno, ali brotando erma de sentidos no coração daquela solidão de limpas planícies. Aquele era seu paraíso secreto, a paisagem íntima que cada criatura guarda em si, onde sonhos e realidades se misturam num amálgama indivisível.

E qual o significado de estar ali? E todas as sensações e criaturas que permeavam o ambiente, para onde iam? Viviam?

E tu,

que bebeste pouco,

não choraste no enterro do irmão,

não gozaste teus vinte anos

Agora olhas para trás,

muito percorrestes,

é tarde demais.

Venderia a alma?

Tens uma alma?”

Auscultar-se-ia. No peito, um pulsar longínquo, que parecia perder sua força como a voz que se esvai em ecos no interior de uma caverna.

E dormiu. Em sonho, borboletas azuis dançavam-lhe na face, enquanto repousava sob as sombras de uma árvore imensa, tão velha quanto o tempo.

* * *

Goiânia, 15 nov 2006

Glauber Ramos
Enviado por Glauber Ramos em 15/11/2006
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