As flores

O ar estava cheio de fumaça cinza. Coloquei duas flores em um vaso com água e rezei pelo melhor.

Estava testando a mim mesma, nos caules mergulhados. Enviava duas lindas florzinhas para a morte, e já não me importava com isso. Olhei para mim mesma no espelho e senti tesão. Se passaram cinco minutos. Olhei para mim mesma no espelho novamente e não senti nada. A mesma indiferença que sentia pelas flores sentia por mim. E no meio da fumaça cinza, criei um passado para não me sentir tão vazia. Diria que já havia sido uma flor, como aquelas no vaso, e que me deixara murchar... logo estaria morta a flor em mim, e eu ainda viva, de luto por uma parte minha que havia morrido sem nunca ter existido.

Pessoas desconhecidas entram e saem da minha vida com uma velocidade ultra-sônica agora. Agora que eu sou apenas um resto de flor endurecida pela poeira eu sinto medo da solidão e ao mesmo tempo não ligo. Sinto medo de coisas que não sentia antes, quando eu tinha dezesseis anos e lia textos anarquistas e queria me mudar para o meio do mato e plantar alface e me sentar no meio da horta como a florzinha que eu já falei que era, mas que talvez nunca tenha sido. Agora que eu sou apenas um resto de flor embelezada pelo fim da adolescência eu quero adoecer de novo. Quero voltar para o lugar quentinho de onde nunca ninguém deveria ter me tirado. Quero ser doce e suja novamente. Quero talvez morrer em um vaso com água, sufocada pela fumaça cinza. Quero ter uma outra florzinha do lado, e acho que coloquei duas flores no vaso porque sei como é difícil ficar sozinha.

O ar está cheio de fumaça cinza e pólen. As duas flores no vaso já quase seco e eu ainda rezo pelo melhor, enquanto as envio para morte.

Dawn
Enviado por Dawn em 20/07/2005
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