Poetar é cantar a tristeza alegremente
Já me disseram Clarisse. Mas o coração ainda sangra. Não há título, nem prêmio, nem consolação. Nem beleza de poesia que me tire a solidão. Logo, ser Clarisse, tarefa não menos honrosa, é também ser tristeza. Angústia infinita. Alma inquieta, caprichosa, aflita. Mas lá, em tempos distantes, não fui Clarisse. Apenas outra anônima, atônita, pedante. E alegre. E grata. E espirituosa. E farta. Farta daquilo que faltava aos outros. Farta daquilo que faltava a mim mesma. Farta de dizeres, de trovas, de pôr-do-sol traduzidos em prosa. Repleta de mim, e tão farta de fé. Cantava assim, em ritmo de dó, mi, ré. Mas hoje, tudo diferente, prefiro cantar tristeza. São fases, retalhos, palavras, espíritos, pobreza. Porque nem sempre se pode ser rico de alegria. Mas deixa estar, a vida muda, e até as carapuças que te servem. Clarisse um dia também foi feliz. Nem que minimamente. Aliás, há um pouco de felicidade em cada rima furtiva. Poetar é cantar a tristeza alegremente.