Entre o Paraíso e a Consolação
"Céu azul no ônibus verde da Z. Sul
eu lia algumas páginas pra não perder a viagem
e a moça bonita ao lado (l)ia comigo e por vezes
também se perdia na paisagem.
Descemos no Paraíso e sem nenhum oi
ou adeus, cada um foi para um lado, sem problemas
e mesmo muito quente, faz um dia lindo apesar de tudo
ter dado errado.
Paro em uma padoca, peço uma coxinha.
Das boas. Crocante. Macia.
Duas garotas tomam uma breja na calçada.
Sede. Saliva.
Jogo um pouco daquela pimenta marota
curtida, mato a coxa, conto as moedas
e corro.
Rolo paraíso abaixo, o céu cada vez mais granulado,
entro em um mercado, reponho a glicose
pego mais uma dose e ponho na conta
do proprietário.
Cigarro solto na Cincinato. Ar seco do caralho.
De volta a veia aorta da pauliceia eu me distraio
me diluo - é tão bom as vezes se sentir nulo -
digo - inconspícuo - digo
passar despercebido, ah, foda-se
é tudo sobre se sentir menos sozinho onde
todo mundo é sozinho e/ou se sentir mais
leve sem ser observado.
A essa altura já cheguei no Vão, e claro
que eu procurava nada menos que algum
tipo de salvação, que sim sim eu encontrei
e ainda curti um pessoal, revi várias figuras
já clássicas
os caça-pontas, os sk8istas
os gringos e hipsters e gente que não vê a hora
de cair fora dos bancos e escritórios
o papo vai longe, consome alguns fósforos
e a noite já chegou, e não
ainda não consegui chegar na Consolação,
mas faltava pouco, ar seco do caralho
me deixou rouco de tanto falar,
isso sem contar que eu já estava meio
louco, não podia parar
agradeci a presença de pessoas
que sei que nunca mais vou encontrar
e saí, entrei numa exposição de fotos
britânicas dos anos 30 em diante, matei a sede
assinei o livro de visitantes e saí satisfeito por não ter
que falar com ninguém.
As pessoas fazem silêncio em lugares assim.
E me senti bem. Em paz em meio ao caos.
Nem mais nem menos
nem mau nem bom, apenas mais um
indivíduo entre os achados e perdidos
entre o Paraíso e a Consolação."