Príncipe trágico

ERA UMA VEZ um príncipe. Encantado como todos os príncipes. Encantador como em todas as lendas. E o príncipe é princípio, o príncipe é o principal, a mola, a propulsão.

Era uma vez um príncipe cujo reinado de anões o fazia sentir-se gigante maldito. As suas botas eram ameaças à pequenez dos súbditos que ajoelhavam, que gritavam à sua passagem para que a bota não fosse a assassina inconsciente das suas pobres vidas de anões.

Era uma vez um príncipe infeliz. Era gigante num mundo de anões, tinha anões ajoelhados aos pés, usava na cabeça a coroa anã do seu reino de anões. Amava esses anões desgraçados e vãos, porque, para amar, nada mais havia no seu reino minúsculo. O seu manto de arminho cobria o planeta inteiro, atravancava-o. E, à noite, quando o despia, tinha de sacudir das suas dobras inúmeros seres, amantes do seu príncipe grandioso a quem bastava sentir o calor de uma dobra do manto. O príncipe, no seu leito, chorava e ria o seu destino trágico em comédia de louco, sem saber que na sombra, em qualquer fiapo do imenso tapete um súbdito anão testemunhava o pavor da solidão real.

Era uma vez um príncipe consumido, alienado no seu ser gigante, incapaz de levantar a cabeça com medo de ofender a pequenez dos servos, querendo ser, ele próprio, anão, nesse mundo de anões.

Era uma vez um príncipe trágico, em fuga, consultando mágicos em busca da poção miraculosa capaz de lhe reduzir o tamanho dos membros; era uma vez um príncipe frustrado, apegado à coroa anã do seu reinado anão, incapaz de subir à montanha à procura dos pares, incapaz de largar a corrente do seu próprio espírito tornado anão à força de governar anões.

Muitos fins são possíveis para a história deste príncipe gigante num reino de anões. Talvez que os espiões que dormem nas dobras do manto, nos fiapos do tapete, nos buracos do soalho tenham espreitado o choro e o lamento do gigante solitário; talvez o amarrem como a Gulliver em Lilliput e o reduzam à condição de escravo. Talvez o matem. Ou talvez ele fuja para as montanhas onde as águias lhe indicarão o caminho dos pares e lhe tirarão da fronte, o medo.

Era uma vez um príncipe, como disse: para ser rei, era necessário que o seu reino não fosse de anões, mas de homens com a mesma estatura.

Esta é uma história verdadeira.

(Excerto da obra Fábulas e Mentiras)

Regina Sardoeira
Enviado por Regina Sardoeira em 15/08/2005
Código do texto: T42726