Tentação

ERA UMA VEZ um homem que se perdeu no deserto por uma teimosia ridícula, por um desafio infantil, por uma aposta... vocês sabem: o tédio empurra os homens para as mais estranhas competições.

Atravessar o deserto sem comer e sem beber eis o que esse louco pretendia provar como sendo possível. O certo é que se perdeu. E como no deserto não há caminhos e as fontes escasseiam o nosso homem sentou-se na areia, acocorou-se, embrulhou a cabeça nas mãos, na tentativa vã de impedir o calcinamento do cérebro e esperou a morte. Esperou, esperou, esperou, dias e mais dias, noites e mais noites e admirava-se, no seu coração, de que ela nunca mais chegasse, de que continuasse a respirar sem esforço, de que o seu sangue continuasse a fluir. Não ousava retirar a cabeça do aconchego das pernas erguidas com medo do que iria ver quando abrisse os olhos, pois sabia que podia abri-los embora os mantivesse fechados e tudo fosse escuridão.

Passaram anos, anos, anos. Aos anos sucederam-se os séculos e o nosso homem lá estava, no centro do deserto, e nenhuma tempestade de areia conseguiu que um só cabelo se lhe erguesse da cabeça solidamente amarrada entre os dedos.

Um dia, pela primeira vez em séculos de espera, outro homem atravessou o deserto e deu com aquela sombra estática, absurda, ponto na infinitude. Sacou do revólver, aproximou-se, pé ante pé, e apontou às costas do que acreditava ser o inimigo. O tiro partiu mas ninguém caiu, nenhum sangue jorrou, nenhum baque se ouviu... Apenas o deserto areento doravante desprovido de sombras humanas de cócoras no tempo.

Regina Sardoeira
Enviado por Regina Sardoeira em 04/09/2005
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