Apanhador e só
Apanhador e só - da série da Montanha -
Caros amigos, venho por meio desta
desfazer um terrível engano: eu não sou poeta
e isso é sério, não se riam antes que eu encerre.
Poderiam chamar-me de Apanhador e só
em poesia nada se cria
tudo se percebe
pergunte ao pó
ou apenas observe
os versos pairam pelo ar como Prana
ou monóxido de carbono
e por vezes como ouro
árduo demais para qualquer tolo
garimpar.
Existem versos raros
grandes joias perdidas ou
nunca vislumbradas
correm pelas águas, Manoel sabe que por vezes
penduram-se em árvores ou
pegam carona no uivo do vento;
os bons apanhadores perscrutam até mesmo
dentro do som do silêncio - é primordial aprender a ouvir e estar atento - mas nem tudo está lá fora.
É preciso não ter olhos nublados
e um certo tato
alguns versos delicados se assustam e fogem
devido ao nosso imenso barulho mental
e é preciso que ele cesse!
Por certo que existem os Apanhadores da técnica,
mas não sou um deles.
Assim como existem médiuns que recebem versos como preces
e heróis que enfrentam Medusas e Quimeras em busca da
Inspiração Divina do abraço das Musas; Alquimistas como Bukowski, tirando pérolas em meio a baldes de pura merda e ainda aqueles como Pessoa, que projetam sua lírica para além da metafísica - aí já não me atrevo - temo perder-me de mim em meio aos outros Eus - mas não importa -
Cada qual sabe melhor o seu caminho
seja por entre prédios ou florestas
sempre existem portas e janelas - pequenas frestas que servem de intermédio - em meio ao caos ou ao tédio - por onde o mundo se expressa,
e o trabalho infinito dos Apanhadores e Poetas
é nada mais nada menos que capturar fagulhas de eternidade
em meio ao efêmero e depois dizê-las tentando conservar um pouco de sua verdade
sua pureza original.
Poetas não criam
Poetas procriam
Inspiram e transpiram
Eu piro e retiro versos de um suspiro
Remexo e me reviro
Respiro fundo e dificilmente
Erro o tiro - ah lá - outro verso estendido no chão
Eu o apanho pra forjar novos Universos
ou amolecer um coração duro como
daquela donzela de olhos felinos
por isso reafirmo: eu não sou Poeta!
Pois se o fosse talvez fizesse pose
e declamasse assim para ela:
"Dedico a ti meus versos
e o coração ardendo em brasas
suplica para que pouses ao meu lado
Ninfa da pele pintada
renuncia as asas em teus pés
e caminha comigo sob o céu estrelado"
...
Mas não.
Não tenho esses encantos. Sou pobre.
Tenho apenas uma caneta e o Mundo.
Tenho a mim e ao que faço. Um tanto de saudade
e um carinho latente, profundo.