Fantasia trágica

AQUELA criança costumava estar só, não era aquela em especial, ela representa o símbolo, vejam lá se percebem. E, como estava só, tinha tempo, e, como estava só, tinha espaço. E nenhum ruído tagarela lhe perfurava os tímpanos puros, nenhuma visão cinzenta lhe ofuscava o olhar claro. Ela brincava, só.

Como único objecto na sala vazia, uma bola enorme rolava, rolava. Sem parar rolava-lhe à frente dos olhos uma bola gigante maior do que o mundo. E a criança chorava porque a bola rolava e ela queria agarrar um ponto, um degrau onde firmar os pés habituados à terra. E corria, corria e o movimento crescia e a bola fugia, e algures num ponto, ora baixo, ora alto, a estrela doirada brilhava, sorria, acenava milagres com mãos de segredo. A criança chorava e os pés tinham sangue, eram cotos sangrentos, sem forma, sem dedos... e a bola fugia e a estrela brilhava e quanto mais fugia a bola-traição, mais brilhava a estrela estendendo as pontas... Por séculos e séculos esta criança corre, por séculos e séculos esta bola foge, por séculos e séculos esta estrela brilha e acena.

Regina Sardoeira
Enviado por Regina Sardoeira em 08/09/2005
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