O SAL DA IDADE (NO ÂMAGO DAS ENTRELINHAS)
Inda não houvesse a centelha
Se tudo tivesse se apagado
Sorriria mais vezes
Por todas as ondas a me violentarem.
Inda não houvesse a memória
Deixaria ao lado do léu o pascigo
Redimir-me-ia.
Não houvesse o silêncio ensurdecedor das tardes
E a apocalíptica frieza das noites
Não conseguisse enxergar silhueta leda ao reflexo
Se os fermentados não tivessem sobrenome, nem carimbo.
Inda sim, lembrar-me-ia
De todas as vezes, das mil gargalhadas
- da boca larga, da alma ressequida -
Dos sorrisos brandos, das invernadas.
Inda não tivesse peito
Não arderia feito cicuta
Não me prestaria ás linhas, tampouco às ojerizas do verso.
Mas, movo ver além
Trás das paredes e das montanhas que o mar não esconde
Na quietude e da paz do submundo, bolhas.
Inda tivesse a tal doença, viveria por anos
Inda não houvesse as horas escorridas de graça
Surpreender-me-ia aos engasgos.
Tudo na vida é escolha, tudo no oceano é saudade.