Confissões de Menina


Eu era feliz... Morava numa casa com jardim, tinha um canto só pra mim, comida bem temperada, água fresquinha na sombra, tinha até um lindo colar com meu nome nele gravado pra poder passear na calçada.
Fui crescendo meio desengonçada, um pouco arteira, mas bem humorada mansa e bem educada.
Eu era feliz sim, até que um dia uns homens maus invadiram meu jardim, gritaram com o meu dono, no carro atearam fogo, e eu sem poder ajudar, muito assustada fugi, pra não me machucar.
Corri pelas ruas até me cansar e logo percebi que não sabia mais voltar.
Foi aí que meu mundo escureceu... Perdeu o brilho e sem minha família, cai na vida dormindo em praças, debaixo dos bancos, comendo restos que encontrava, tomando água das poças quando achava, implorando carinho que não vinha tendo que correr das pedradas e até da carrocinha.
Certo dia um cão maroto, com cara de galã roto, resolveu se aproximar pra comigo namorar.
Achei aquilo normal, afinal meu dono havia dito que quando chegasse a hora, me arrumaria um noivo bonito.
Mas pra minha infelicidade, o que aquele cão queria, não era me fazer companhia. Ele me deu uma surra pra poder me engravidar e eu desiludida procurei outro lugar.
Novamente fugi pra bem longe, corri tanto que até esqueci o que procurava ali.
Depois de muito andar, encontrei um novo lugar pra poder me abrigar. Era um grande casarão e a presença de muitas crianças fez vibrar meu coração.
Desconfiada, entrei pela porta dos fundos e bem quieta e escondida, tentei me curar das feridas, que a rua me deixou.
Casa estranha era aquela, cheia de portas e janelas, crianças brincando e cantando, falando coisas que nunca ouvi, fiquei curiosa pra saber o que era ali.
De repente tocou uma sirene e só aí percebi que era uma escola o lugar que escolhi.
Pensei rápido na minha sorte, pois se fico ali escondida, morro de fome e de sede. Se apareço posso deixar as crianças com medo.
Quase nunca me senti assim, sem saber o que fazer, então resolvi arriscar, nada mais tenho a perder.
Vou tentar uma aproximação, quem sabe encontro alguém que tenha bom coração.
No dia seguinte bem cedo, me aproximei das crianças que logo me acolheram e me devolveram a esperança.
Infelizmente ninguém me conhecia, por isso não pude voltar. Também nem sei se queria, pois não sabia se minha família iria encontrar.
Fiquei por ali então, fazendo novos amigos, comendo uma refeição por dia, tomava água na bacia e assim passava o meu dia.
Comecei a engordar novamente, mas só bem tarde fui perceber que uma cria iria ter.
Todos já sabiam, por isso até casa eu ganhei, ficava debaixo de uma árvore por quem logo me apaixonei.
Quando meus onze filhotes nasceram, é claro que me assustei; como iria dar conta de todos, logo pensei.
Mas o destino não quis que minha ninhada crescesse, pois um a um foi morrendo, bem antes que o sol nascesse.
E quando amanheceu o dia, bem na hora da gritaria, um jovem de alma doce, me levou água fresca, me acarinhou a cabeça e me falou ao ouvido:
“Calma Menina, não se aborreça, logo estará em forma, sem que nenhum mal lhe aconteça”.
O tempo passou depressa e hoje sou feliz novamente. Ganhei uma nova família que me ama e me faz vibrar de contente, pois todos me chamam Menina a cachorra inteligente.

Campinas/06/10/05
17.00h
www.augustaschimidt.prosaeverso.net



Augusta Schimidt
Enviado por Augusta Schimidt em 06/10/2005
Código do texto: T57363
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