Contágio

========ErdoBastos

Não sei de onde veio este sol que me queima os olhos.

Esta manhã tão luminosa que quase me ofende, que não percebe nem liga pra minha tristeza.

Um sol que parece não se dar conta de que eu existo. Era só o que me faltava agora...

Coloco os óculos de sol e sigo andando, brigando com a luz da manhã que parece querer me ferir de propósito, só pra implicar mesmo...

Fica aquela voz lá no fundo me incitando a rir, a me soltar... De que jeito?

O dia pedindo alegria, querendo me contagiar, me obrigando lembrar a toda hora que hoje não é dia pra isso, que hoje estou triste.

Putz... parece que este dia não me entende, não me respeita, não vê que não é hora pra isso, que está sendo impertinente.

Irritante tanta luz quando a tristeza ta batendo forte assim no meu peito.

Estaciono o carro perto de uma banca de florista e a mulher, toda gentil, sorri e aponta as muitas flores com os olhos, me convidando a vê-las, a leva-las comigo e oferecer pra alguém.

E a tristeza se explica, diz que não tem pra quem dar.

Vem aquela voz de novo, lá dos fundos da alma, e num tom irônico, quase sarcástico, fica me perguntando se não tenho filhos, se não tenho vizinhos...

Era só disso mesmo que eu precisava, sair por aí dando florzinha pra todo mundo na rua, levando flor pros filhos, pros filhos dos outros...

Porque não?

Dia de sol faz coisas na cabeça da gente, muda o estado de espírito, é quase irresistível isso, né?

Comprei um punhado de flores e botei um sorriso na cara, com o qual saí entregando flores pras pessoas que estavam passando...

A tristeza foi embora? Nada, tá aqui ainda, falta muito pra ela virar felicidade.

Mas que tem uma alegria anunciando esta felicidade que vem vindo, isso não dá pra negar. Tem sim.

E este dia de sol que, afinal, me contagiou...